Criada
no ano 2000 para nos alertar sobre a necessidade de preservar e cuidar do
planeta, a Carta da Terra completa 16 anos.
O
primeiro rascunho do documento, que recebeu o nome de Carta da Terra, foi feito
em 1992, durante a Conferência Rio92, no Rio de Janeiro. Oito anos mais tarde,
em 29 de junho de 2000, a versão final foi divulgada, na sede da Unesco, em
Haia, na Holanda.
Traduzida
para 40 idiomas, A Carta da Terra contém 16 princípios básicos agrupados em
quatro grandes tópicos: respeitar e cuidar da comunidade de vida; integridade
ecológica; justiça social e econômica; democracia, violência e paz.
A
Carta da Terra é um "código de ética planetário", semelhante à
Declaração Universal dos Direitos Humanos, só que voltado à sustentabilidade, à
paz e à justiça socioeconômica. No Brasil, o documento ganhou uma versão
infantil. O Núcleo dos Amigos da Infância e da Adolescência (Naia) em parceria
com a Unicef e o governo do Rio Grande do Sul, criou a "Carta da Terra
para Crianças" buscando envolvê-las no processo de construção de uma
sociedade mais sustentável.
A CARTA DA TERRA
PREÂMBULO
Estamos diante
de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve
escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais
interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e
grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma
magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e
uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar
uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos
direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para
chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos
nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida,
e com as futuras gerações.
Terra, Nosso Lar
A humanidade é
parte de um vasto universo em evolução. A Terra, nosso lar, está viva com uma
comunidade de vida única. As forças da natureza fazem da existência uma aventura
exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a
evolução da vida.
A capacidade de recuperação da comunidade da
vida e o bem-estar da humanidade dependem da preservação de uma biosfera
saudável com todos seus sistemas ecológicos, uma rica variedade de plantas e
animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O meio ambiente global com seus
recursos finitos é uma preocupação comum de todas as pessoas. A proteção da
vitalidade, diversidade e beleza da Terra é um dever sagrado.
A Situação Global
Os padrões
dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução
dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo
arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente
e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a
ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causa de grande
sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem
sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global
estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis.
Desafios Para o Futuro
A escolha é
nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou
arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida. São necessárias
mudanças fundamentais dos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos
entender que, quando as necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento
humano será primariamente voltado a ser mais, não a ter mais. Temos o
conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos
impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil global está
criando novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano.
Nossos desafios
ambientais, econômicos, políticos, sociais e espirituais estão interligados, e
juntos podemos forjar soluções includentes.
Responsabilidade Universal
Para realizar
estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade
universal, identificando-nos com toda a comunidade terrestre bem como com nossa
comunidade local. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e de um
mundo no qual a dimensão local e global estão ligadas. Cada um compartilha da
responsabilidade pelo presente e pelo futuro, pelo bem-estar da família humana
e de todo o mundo dos seres vivos.
O espírito de
solidariedade humana e de parentesco com toda a vida é fortalecido quando
vivemos com reverência o mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida,
e com humildade considerando em relação ao lugar que ocupa o ser humano na
natureza.
Necessitamos
com urgência de uma visão compartilhada de valores básicos para proporcionar um
fundamento ético à comunidade mundial emergente. Portanto, juntos na esperança,
afirmamos os seguintes princípios, todos interdependentes, visando um modo de
vida sustentável como critério comum, através dos quais a conduta de todos os
indivíduos, organizações, empresas, governos, e instituições transnacionais
será guiada e avaliada.
PRINCÍPIOS I - RESPEITAR E CUIDAR DA
COMUNIDADE DA VIDA
1-Respeitar
a Terra e a vida em toda sua diversidade.
a. Reconhecer que todos os seres
são interligados e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua
utilidade para os seres humanos.
b. Afirmar a fé na dignidade
inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético
e espiritual da humanidade.
2- Cuidar da comunidade da vida com
compreensão, compaixão e amor.
a. Aceitar que, com o direito de
possuir, administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano
causado ao meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas.
b. Assumir que o aumento da
liberdade, dos conhecimentos e do poder implica responsabilidade na promoção do
bem comum.
3. Construir sociedades democráticas que
sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas.
a. Assegurar que as comunidades
em todos níveis garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e
proporcionem a cada um a oportunidade de realizar seu pleno potencial.
b. Promover a justiça econômica e
social, propiciando a todos a consecução de uma subsistência significativa e
segura, que seja ecologicamente responsável.
4. Garantir as dádivas e a beleza da Terra
para as atuais e as futuras gerações.
a. Reconhecer que a liberdade de
ação de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras.
b. Transmitir às futuras gerações
valores, tradições e instituições que apóiem, em longo prazo, a prosperidade
das comunidades humanas e ecológicas da Terra. Para poder cumprir estes quatro
amplos compromissos, é necessário:
II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA
5. Proteger e restaurar a
integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial preocupação pela
diversidade biológica e pelos processos naturais que sustentam a vida.
a. Adotar planos e
regulamentações de desenvolvimento sustentável em todos os níveis que façam com
que a conservação ambiental e a reabilitação sejam parte integral de todas as
iniciativas de desenvolvimento.
b. Estabelecer e proteger as reservas com uma
natureza viável e da biosfera, incluindo terras selvagens e áreas marinhas,
para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade
e preservar nossa herança natural.
c. Promover a recuperação de
espécies e ecossistemas ameaçadas.
d. Controlar e erradicar
organismos não-nativos ou modificados geneticamente que causem dano às espécies
nativas, ao meio ambiente, e prevenir a introdução desses organismos daninhos.
e. Manejar o uso de recursos
renováveis como água, solo, produtos florestais e vida marinha de forma que não
excedam as taxas de regeneração e que protejam a sanidade dos ecossistemas.
f. Manejar a extração e o uso de
recursos não-renováveis, como minerais e combustíveis fósseis de forma que
diminuam a exaustão e não causem dano ambiental grave.
6. Prevenir o dano ao ambiente como o
melhor método de proteção ambiental e, quando o conhecimento for limitado,
assumir uma postura de precaução.
a. Orientar ações para evitar a
possibilidade de sérios ou irreversíveis danos ambientais mesmo quando a
informação científica for incompleta ou não conclusiva.
b. Impor o ônus da prova àqueles
que afirmarem que a atividade proposta não causará dano significativo e fazer
com que os grupos sejam responsabilizados pelo dano ambiental.
c. Garantir que a decisão a ser
tomada se oriente pelas conseqüências humanas globais, cumulativas, de longo
prazo, indiretas e de longo alcance.
d. Impedir a poluição de qualquer
parte do meio ambiente e não permitir o aumento de substâncias radioativas,
tóxicas ou outras substâncias perigosas.
e. Evitar que atividades
militares causem dano ao meio ambiente.
7. Adotar padrões de produção, consumo e
reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos
humanos e o bem-estar comunitário.
a. Reduzir, reutilizar e reciclar
materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que os resíduos
possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos.
b. Atuar com restrição e
eficiência no uso de energia e recorrer cada vez mais aos recursos energéticos
renováveis, como a energia solar e do vento.
c. Promover o desenvolvimento, a
adoção e a transferência eqüitativa de tecnologias ambientais saudáveis.
d. Incluir totalmente os custos
ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda e habilitar os
consumidores a identificar produtos que satisfaçam as mais altas normas sociais
e ambientais.
e. Garantir acesso universal à
assistência de saúde que fomente a saúde reprodutiva e a reprodução
responsável.
f. Adotar estilos de vida que
acentuem a qualidade de vida e subsistência material num mundo finito.
8. Avançar o estudo da sustentabilidade
ecológica e promover a troca aberta e a ampla aplicação do conhecimento
adquirido.
a. Apoiar a cooperação científica
e técnica internacional relacionada a sustentabilidade, com especial atenção às
necessidades das nações em desenvolvimento.
b. Reconhecer e preservar os
conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as culturas que
contribuam para a proteção ambiental e o bem-estar humano.
c. Garantir que informações de
vital importância para a saúde humana e para a proteção ambiental, incluindo
informação genética, estejam disponíveis ao domínio público.
III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA
9. Erradicar a pobreza como um imperativo
ético, social e ambiental.
a. Garantir o direito à água
potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não contaminados, ao
abrigo e saneamento seguro, distribuindo os recursos nacionais e internacionais
requeridos.
b. Prover cada ser humano de
educação e recursos para assegurar uma subsistência sustentável, e proporcionar
seguro social e segurança coletiva a todos aqueles que não são capazes de
manter-se por conta própria.
c. Reconhecer os ignorados,
proteger os vulneráveis, servir àqueles que sofrem, e permitir-lhes desenvolver
suas capacidades e alcançar suas aspirações.
10. Garantir que as atividades e
instituições econômicas em todos os níveis promovam o desenvolvimento humano de
forma eqüitativa e sustentável.
a. Promover a distribuição
eqüitativa da riqueza dentro das e entre as nações.
b. Incrementar os recursos
intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em desenvolvimento e
isentá-las de dívidas internacionais onerosas.
c. Garantir que todas as
transações comerciais apóiem o uso de recursos sustentáveis, a proteção
ambiental e normas trabalhistas progressistas.
d. Exigir que corporações
multinacionais e organizações financeiras internacionais atuem com
transparência em benefício do bem comum e responsabilizá-las pelas
conseqüências de suas atividades.
11. Afirmar a igualdade e a eqüidade de
gênero como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável e assegurar o
acesso universal à educação, assistência de saúde e às oportunidades
econômicas.
a. Assegurar os direitos humanos
das mulheres e das meninas e acabar com toda violência contra elas.
b. Promover a participação ativa
das mulheres em todos os aspectos da vida econômica, política, civil, social e
cultural como parceiras plenas e paritárias, tomadoras de decisão, líderes e
beneficiárias.
c. Fortalecer as famílias e garantir a
segurança e a educação amorosa de todos os membros da família.
12. Defender, sem discriminação, os
direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social, capaz de assegurar
a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, concedendo
especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias.
a. Eliminar a discriminação em
todas suas formas, como as baseadas em raça, cor, gênero, orientação sexual,
religião, idioma e origem nacional, étnica ou social.
b. Afirmar o direito dos povos
indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos, assim como
às suas práticas relacionadas a formas sustentáveis de vida.
c. Honrar e apoiar os jovens das
nossas comunidades, habilitando-os a cumprir seu papel essencial na criação de
sociedades sustentáveis.
d. Proteger e restaurar lugares notáveis pelo
significado cultural e espiritual.
IV. DEMOCRACIA, NÃO VIOLÊNCIA E PAZ
13. Fortalecer as instituições democráticas
em todos os níveis e proporcionar-lhes transparência e prestação de contas no
exercício do governo, participação inclusiva na tomada de decisões, e acesso à
justiça.
a. Defender o direito de todas as
pessoas no sentido de receber informação clara e oportuna sobre assuntos
ambientais e todos os planos de desenvolvimento e atividades que poderiam
afetá-las ou nos quais tenham interesse.
b. Apoiar sociedades civis
locais, regionais e globais e promover a participação significativa de todos os
indivíduos e organizações na tomada de decisões.
c. Proteger os direitos à
liberdade de opinião, de expressão, de assembléia pacífica, de associação e de
oposição.
d. Instituir o acesso efetivo e
eficiente a procedimentos administrativos e judiciais independentes, incluindo
retificação e compensação por danos ambientais e pela ameaça de tais danos.
e. Eliminar a corrupção em todas
as instituições públicas e privadas. f. Fortalecer as comunidades locais,
habilitando-as a cuidar dos seus próprios ambientes, e atribuir
responsabilidades ambientais aos níveis governamentais onde possam ser
cumpridas mais efetivamente.
14. Integrar, na educação formal e na
aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades
necessárias para um modo de vida sustentável.
a. Oferecer a todos,
especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes permitam
contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável.
b. Promover a contribuição das
artes e humanidades, assim como das ciências, na educação para
sustentabilidade.
c. Intensificar o papel dos meios
de comunicação de massa no sentido de aumentar a sensibilização para os
desafios ecológicos e sociais.
d. Reconhecer a importância da
educação moral e espiritual para uma subsistência sustentável.
15. Tratar todos os seres vivos com
respeito e consideração.
a. Impedir crueldades aos animais
mantidos em sociedades humanas e protegê-los de sofrimentos.
b. Proteger animais selvagens de
métodos de caça, armadilhas e pesca que causem sofrimento extremo, prolongado
ou evitável.
c. Evitar ou eliminar ao máximo
possível a captura ou destruição de espécies não visadas.
16. Promover uma cultura de tolerância, não
violência e paz.
a. Estimular e apoiar o
entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas,
dentro das e entre as nações.
b. Implementar estratégias amplas
para prevenir conflitos violentos e usar a colaboração na resolução de
problemas para manejar e resolver conflitos ambientais e outras disputas.
c. Desmilitarizar os sistemas de
segurança nacional até chegar ao nível de uma postura não provocativa da defesa
e converter os recursos militares em propósitos pacíficos, incluindo
restauração ecológica.
d. Eliminar armas nucleares,
biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em massa.
e. Assegurar que o uso do espaço
orbital e cósmico mantenha a proteção ambiental e a paz.
f. Reconhecer que a paz é a
plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas,
outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a totalidade maior da qual
somos parte.
O CAMINHO ADIANTE
Como nunca antes na história, o destino comum
nos conclama a buscar um novo começo. Tal renovação é a promessa dos princípios
da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a
adotar e promover os valores e objetivos da Carta.
Isto requer uma mudança na mente e no coração.
Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade
universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de
vida sustentável aos níveis local, nacional, regional e global. Nossa diversidade
cultural é uma herança preciosa, e diferentes culturas encontrarão suas
próprias e distintas formas de realizar esta visão. Devemos aprofundar expandir
o diálogo global gerado pela Carta da Terra, porque temos muito que aprender a
partir da busca iminente e conjunta por verdade e sabedoria.
A vida muitas
vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas
difíceis. Porém, necessitamos encontrar caminhos para harmonizar a diversidade
com a unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objetivos de curto
prazo com metas de longo prazo. Todo indivíduo, família, organização e
comunidade têm um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as
religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as
organizações não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma
liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é
essencial para uma governabilidade efetiva.
Para construir
uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem renovar seu
compromisso com as Nações Unidas, cumprir com suas obrigações respeitando os
acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da
Carta da Terra com um instrumento internacional legalmente unificador quanto ao
ambiente e ao desenvolvimento.
Que o nosso
tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo
compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela
justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.
Fontes: