quarta-feira, 21 de agosto de 2013

RELATÓRIO SOBRE A ESTRADA DO COLONO

Contido no Anexo  26  do Plano de Manejo da Cataratas do Iguaçu SA.


INTRODUÇÃO

O presente documento, anexo ao Plano de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu, tem por objetivo aglutinar os diversos argumentos, de diferentes segmentos da sociedade, sobre a questão da Estrada do Colono.
O trabalho está divido em três partes. No início há um histórico, baseado principalmente no processo que tramita na Justiça Federal desde 1986 e que determinou o fechamento da Estrada do Colono. A seguir serão mostrados os principais documentos que debatem os aspectos ambientais envolvidos na questão, como os impactos da reabertura da Estrada do Colono na flora e na fauna do Parque Nacional do Iguaçu, os prejuízos acarretados para a biodiversidade e as propostas de envolvimento da população vizinha em projetos de preservação da área.
Os aspectos econômicos terão um capítulo à parte, com estudos de especialistas que discutem as consequências da Estrada do Colono para a economia regional.


HISTÓRICO


A Estrada do Colono, que corta o Parque Nacional do Iguaçu (PNI) num trecho de 17,6 quilômetros, foi construída entre 1953 e 1955. Embora existam citações, em peças do processo judicial, sobre o uso do caminho desde a década de 20, é certo que tratava-se de uma picada no meio da mata densa que cobria toda a região. Em 1948 o então governador Moisés Lupion inaugurou o Porto Lupion, no Rio Iguaçu junto à divisa do PNI, estabelecendo uma serviço regular de balsas entre as duas margens, ainda servindo apenas para trânsito de animais e carroças. O estudo "A Estrada do Colono e o Parque Nacional do Iguaçu", de autoria do engenheiro Sérgio Brant Rosa, datado de 1997, apresenta um histórico da ligação:
"No mapa do Estado do Paraná organizado e desenhado pelo Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado, e impresso em 1953, na escala 1:650.000, ainda não consta a existência desta ligação rodoviária. Ela só vai aparecer nas cartas topográficas publicadas pela Diretoria do Serviço Geográfico do Ministério da Guerra entre 1957/59, feitas com base em levantamentos de 1955 (folhas Rio Ocoi, Parque Nacional do Iguaçu e Capanema, na escala 1:100.000). Segundo a Associação de Defesa e Educação Ambiental de Foz do Iguaçu, um dos trabalhadores braçais que atuou na abertura da estrada, nesta época, vive hoje em Foz do Iguaçu. Mas a estrada, inicialmente, terminava na saída do Parque, onde hoje está instalado o posto policial florestal chamado de Capoeirinha. A ligação com Medianeira (e à BR 277) só foi aberta entre 1957 e 1959, conforme atestam os documentos cartográficos mencionados e o próprio texto sobre o município na Enciclopédia antes citada (Enciclopédia Brasileira dos Municípios, IBGE, 1959) que diz que ‘será construída uma estrada de rodagem de Capanema à BR 34 (hoje BR 277), que une Paranaguá a Foz do Iguaçu’. O texto trazia informações atualizadas até o ano de 1957. Assim na carta topográfica Foz do Iguaçu (escala 1:250.000), publicada também pela Diretoria do Serviço Geográfico do Ministério da Guerra, em 1960, com base em compilações de dados daquele ano, já aparece a ligação com Medianeira e BR 34 (BR 277). Era uma estrada precária, classificada como de quarta classe nesta carta, numa escala de 4 classes".
O mesmo estudo mostra dados da população regional em 1950 ? " 11 anos depois da criação do Parque Nacional e 6 da data em que seus limites obtiveram a configuração atual". Foz do Iguaçu e Clevelândia eram os únicos municípios da região Oeste/Sudoeste do Paraná. O primeiro, com uma área de 30 mil quilômetros quadrados se estendia até Guaira e tinha 16.529 habitantes, dos quais 3 mil viviam na cidade de Foz do Iguaçu.
Cascavel, de acordo com o censo de 1950, possuia 404 moradores e outros pequenos povoados começavam a aparecer junto ao traçado da BR 35 (atual 277), como Medianeira, Gaúcha (hoje São Miguel do Iguaçu) e Criciúma ( atual Santa Terezinha de Itaipu). O município de Clevelândia abrangia toda a região Sudoeste, com 9.657 quilômetros quadrados e 54.167 habitantes. Capanema era um povoado pertencente ao município e sua única ligação por estrada era com Santo Antonio, localizado 58 quilômetros ao sul. "A partir de 1959 o desenvolvimento da cidade foi bastante acentuado; rodovias foram abertas em todas as direções; procedeu-se à ligação do núcleo populacional em formação com diversos outros da faixa de fronteira; criaram-se escolas e uma usina termoelétrica foi construída" (Enciclopédia Brasileira dos Municípios, IBGE, 1959).
Em 1956, cita o engenheiro Sérgio Brant em seu estudo, foram registrados no município de Foz do Iguaçu, 99 veículos motorizados, sendo 24 automóveis e 75 caminhões. No município de Capanema havia vinte veículos registrados na Prefeitura: 7 automóveis e 13 caminhões.

Asfaltamento e Estrada Parque

A estrada continuou a ser usada de maneira precária até 1972 quando o Departamento de Estradas e Rodagem do Paraná providenciou um revestimento de pedra e saibro no trecho. No início da década de 80 o Plano Rodoviário Estadual do Paraná previa o asfaltamento da Estrada do Colono, identificada como PRT-163, ou BR 163. Os primeiros contatos do governo paranaense com o órgão responsável pelo Parque Nacional do Iguaçu (o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, IBDF, ligado à época, ao Ministério da Agricultura) com pedido de licença para execução da obra, resultaram em negativas das autoridades federais. Uma extensa troca de correspondência entre o então governador José Richa, o ministro da Agricultura, Nestor Jost, os prefeitos dos municípios de Medianeira e Capanema e deputados eleitos pela região, geraram diversos estudos técnicos, elaborados pelas equipes do IBDF e da Secretaria de Transportes do Paraná.
A maior parte destes estudos cita o Plano de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu, elaborado em 1979, fazendo referência ao trecho final do ítem Histórico e Antecedentes Legais:
"Seccionando o Parque Nacional existe uma estrada ligando os municípios de Medianeira e Capanema. Numa extensão de 18 km através do Parque, no sentido Norte-Sul, ela possui 10 a 15 metros de largura. Sua construção foi realizada pelo DER-PR posteriormente à criação do Parque, sem que na época tivessem sido tomadas providências à respeito, e atualmente tem apreciável trânsito de passageiros e cargas; a transposição do Rio Iguaçu no porto Moisés Lupion efetua-se por balsas. De longa data vem se pugnando pelo fechamento da estrada, sem lograr êxito. Do ponto de vista técnico esta estrada deve ser fechada e passar para uso exclusivo de Parque (manutenção, proteção, fiscalização e pesquisa)".
Os pareceres mencionam ainda o fato da estrada cortar a zona intangível do PNI descrita como aquela " em que primitividade da natureza permanece intacta, não se tolerando quaisquer alterações humanas, representando o mais alto grau de preservação. Funciona como matriz de repovoamento de outras zonas onde já são permitidas atividades humanas regulamentadas.
Esta zona é dedicada à proteção integral de ecossistemas, dos recursos genéticos e ao monitoramento ambiental. O objetivo básico do manejo é a preservação, garantindo a evolução natural". (Inciso I Artigo 6, Decreto 84.017, de 21/09/79, Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros). Um relatório, elaborado pela própria direção do PNI lembra a existência de uma outra estrada, no interior da unidade:
"Por já possuirmos um trecho da BR 469 dentro do Parque, apenas 10 km, podemos citar como exemplos os seguintes problemas: a) desenvolvimento de alta velocidade; b) desrespeito a toda sinalização e normas de trânsito; c) atropelamento indriscriminado de animais (até onça); motivo que nos faz antever um problema em alarmantes proporções pois a BR seria numa extensão de 20 km (dobro do que citamos), longe de nossa vigilância e hoje, sem oferecer as mínimas condições de estrada, já se nota os problemas criados em função da alta velocidade ali desenvolvida. Na região, setor Leste do Parque, já existe uma BR, com ponte sobre o rio Iguaçu e que hoje está atendendo toda a região, e que para a sua efetivação o IBDF abdicou de 1.400,00 hectares, distrito de Santa
Tereza, motivo pelo qual não acreditamos na insensibilidade do homem da região para mais uma agressão ao Parque Nacional."
Em 4 de outubro de 1983 o engenheiro Elyowald Chagas de Oliveira, assistente do IBDF, elaborou um parecer ao processo 040093, no qual do DER-PR pede autorização para asfaltar a BR 163. Depois de citar todos os instrumentos legais que impedem a obra, o técnico se reporta à um Ofício Especial, datado de 27/08/81, e subscrito pelo prefeito, pelo presidente da Câmara Municipal e por mais cinco personalidades de Medianeira, lê-se: "A ligação asfáltica de Barracão a Medianeira, passando pelo Parque Nacional do Iguaçu, não virá em prejuízo da flora e fauna, uma vez que poderão ser construídos elevados a fim de proteger a fauna ali existente e replantando em talões parcelados as melhores espécies de árvores e flores do Brasil, ficando uma paisagem super panorâmica para todo o trânsito, compensando assim uma economia de mais de 100 km, para atingir Foz do Iguaçu, capital da energia elétrica e do turismo, economizando combustíveis, materiais rodantes, fator tempo e retendo o tráfego pela Argentina via Foz do Iguaçu" . Na parte final de seu trabalho, o engenheiro Chagas comenta a proposta:
"Quanto à idéia de que a construção de elevados resolveria o grave problema da interferência rodoviária nas condições naturais do meio ambiente, ela expressa um louvável esforço de imaginação. Infelizmente porém se sob o aspecto jurídico, tal idéia não encontra embasamento legal, do ponto de vista ecológico tais obras, desde as medidas preliminares para sua implantação, multiplicariam os efeitos deletéricos que uma via ordinária causaria aos componentes da paisagem natural. Com a trepidação do trânsito diária, vibrações da estrutura se transmitiriam, ampliadas, ao solo, ao sub-solo até mesmo onde ocorrem veios de água e lençois freáticos; o ruído dos motores se propagaria mais livremente; levados pelos ventos, os gases venenosos, emitidos pelos motores, se estenderiam a maiores áreas; a intermitência da iluminação intensa projetada pelos faróis, confundiria a fauna crepuscular noturna, notadamente a alada; a considerável massa dos elevados interceptaria correntes aéreas, raios solares, precipitações atmosféricas. Esses são apenas alguns dos evidentes macro-efeitos determinados pela inserção daqueles corpos estranhos numa paisagem imemorialmente estabelecida e, há quase meio século, legalmente preservada".
Em 14 de maio de 1986 o diretor geral do DER-PR, Antonio José Correia Ribas, enviou ao presidente do IBDF, Jaime Costa Santiago, a proposta de construção do que ele chama de a primeira "Estrada Parque" Regional:
"Como premissa, o projeto atende a sinuosidade da estrada existente, como plataforma pavimentada de 6,6 metros, sem faixa de segurança e/ou acostamentos. Além da pista de rolamento se prevê o revestimento vegetal lateral com grama climatizada, em larguras variáveis, partindo dos bordos da pista até a limitação hoje existente a orla da mata. A par dessa orla está prevista a limitação de uso da estrada, implantando-se em ambos os lados uma cerca alambrada com tela galvanizada, com malha de 4 centímetros, arrematada com 3 fios de arame farpado aplicado no chanfrado dos postes de concreto, com 2 metros de altura útil.
O projeto prevê, ainda, um moderador de velocidade de veículos com a construção de sonorizadores e lombadas em pontos convenientes distanciados a cada 3 quilômetros. Para preservação da fauna, deverá ser implantada nos cursos d’água equidistantes 3 quilômetros, uma passagem para animais, sob obras de arte especiais, construídas de placas de concreto armado de 10 metros de vão com altura de 2 metros, formando corredores de ligação entre ambos os lados do parque, delimitados pelo alambrado indicado, com o propósito de impedir a saída dos animais para o corpo da estrada, ou seja: garantir a permutação de ambiente dos seres silvestres.
Para fiscalização e vigilância do uso da estrada parque são previstas as construções de 3 postos, com residência para os vigilantes, tendo cada posto sistema de comunicação por rádio receptor-transmissor, interligando nas extremidades e meio dentro do Parque Nacional."
O noticiário da imprensa a respeito do projeto da "Estrada Parque" gerou uma série de manifestações das entidades ambientalistas, contrárias à proposta. Um manifesto, assinado pela Associação de Defesa e Educação Ambiental, de Curitiba, diz:
"A estrada do colono é de interesse meramente local, beneficiando apenas uns poucos municípios a Leste e Oeste do Parque Nacional. Sustentamos que há conflito entre municípios locais e os interesses maiores da Nação e que o interesse maior deve prevalecer. Também questionamos o custo benefício de tal estrada e afirmamos que os interesses maiores da Nação então sendo prejudicados em função de privilegiar interesses locais e que esta análise não é apenas relativa à preservação de difícil interpretação, mas até mesmo do ponto de vista econômico-financeiro quando ponderado o custo da proposta que está sendo veiculada pelos jornais, prevendo alambrados ao longo de toda extensão, postos de vigilância, passagens subterrâneas, etc e os benefícios gerados por seu trânsito. Qual o custo da estrada? Quando será paga? Quanto à proposta veiculada pela imprensa além dos aspectos já levantados sobre as condições atuais e da questão de seu custo benefício temos as seguintes observações:
a) As passagens de fauna permitem apenas a circulação de um número limitado de espécies, comprometendo a dinâmica natural das populações;
b) A fixação de rotas, pelas "passagens de fauna" de certas espécies de predadores, como onças, afasta a circulação da grande maioria das espécies predadas por estes animais;
c) Arcos laterais representarão um obstáculo a mais separando irremediavelmente populações de numerosas espécies, mamíferos arborícolas, aves de vôo rasante ou até que se deslocam em bandos estruturados."
O debate em torno do asfaltamento da estrada, ou da construção da "Estrada Parque", prosseguiu com a apresentação de várias alternativas de percurso substitutos dos 17,6 quilômetros no interior do PNI. Um documento, datado de 10 de julho de 1984, expedido pela direção do Parque, em Foz do Iguaçu, traz uma destas alternativas:
"Para se ligar Capanema a BR 277, economicamente, seria a construção de apenas 30 km de estrada ligando-o à BR 182, moderna rodovia que abrange uma maior área e de terras muito mais produtivas e em início de desenvolvimento ou com maiores perspectivas para o futuro, enquanto que a outra área não oferece estas perspectivas, porque entre os municípios existe o rio Iguaçu e o Parque Nacional, que de uma forma ou de outra, dificultam a interligação das comunidades.
Também se apresenta como fator de ponderação, a economia em quilômetros, o que na verdade é irrisório, se levarmos em conta o montante do investimento na rodovia pretendida e o prejuízo do Parque. Para maior clareza informamos que um veículo saindo de Capanema com destino a Medianeira pela estrada proposta percorreria 80 km, pela BR 182, já existente e construída dentro das mais modernas técnicas, percorreria a distância de aproximadamente 120 km."
A existência de um alternativa para o trânsito de veículos, por sinal, foi o que determinou, em 28 de abril de 1994, a desistência do Estado do Paraná na continuidade da batalha jurídica para reabertura da Estrada do Colono. Naquela data o então procurador geral do Estado, Carlos Frederico Marés de Souza, enviou correspondência ao presidente do Tribunal Regional Federal da 4 Região:
"Infere-se do artigo 462 do Código de Processo Civil que a parte deve dar ciência ao julgador de fato superveniente que interfira na solução da lide. Sendo assim, o Estado do Paraná informa que o Departamento de Estrada de Rodagem (DER) do Estado do Paraná construiu uma ponte em concreto sobre o rio Santo Antônio, município de Capanema, no trecho da rodovia que liga os municípios de Capanema (Brasil) e Andresito Guacurari (Argentina), tornando possível o acesso ao município de Foz do Iguaçu através da Argentina.
Considerando que a abertura da Estrada do Colono tinha por fundamento a dificuldade de acesso do município de Capanema à Foz do Iguaçu, e que esta dificuldade não subsiste, o Estado do Paraná manifesta seu desinteresse pela sua reabertura, até mesmo porque, segundo informações obtidas junto à Direção do Parque Nacional do Iguaçu, a mata nativa já cobriu todo o caminho, estando impossibilitada a sua utilização".
A posição oficial do governo paranaense, no entanto, era bem diferente oito anos antes. Em 11 de agosto de 1986 o diretor geral do DER, Antonio José Correia Ribas, informava ao Procurador da República, em Curitiba, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, que as obras de asfaltamento da BR 163 estavam contratadas junto à empresa CBPO ? Companhia Brasileira de Projetos e Obras ? acrescentando que a firma "não está executando os serviços no interior do Parque Iguaçu porque não possuiu autorização do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)". O órgão informava ainda que " o asfaltamento do trecho teve início, e, estão concluídos os primeiros 22 quilômetros até o início do Parque Iguaçu".

Início do Processo

Esta correspondência do DER foi um dos documentos citados pelo Ministério Público Federal na petição inicial do processo, datada de 3 de setembro de 1986. A Ação Civil Pública, proposta contra o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, na condição de responsável pelo PNI, pedia o imediato fechamento da Estrada do Colono.
"Criado pelo Decreto-lei 1.035, de 10 de janeiro de 1939, o Parque Nacional do Iguaçu, com os seus 185.262,5 ha (Decreto 86.676, de 1/12/81), constitui hoje uma das únicas e mais extensa floresta pluvial subtropical preservada do país que, diante da situação florestal do sul do Brasil, tem importância fundamental para o equilíbrio ecológico de toda a região. (…) A despeito de sua importância, em 1954, época em que a preocupação com a preservação do ambiente era praticamente inexistente, o Parque foi criminosamente seccionado com a abertura de uma estrada com aproximadamente 18 km de extensão, para permitir uma ligação mais cômoda entre Medianeira e Capanema. Desde então, e com um ímpeto descomunal nos últimos anos, alguns políticos, pressionados por pretensos líderes dos dois municípios, tentam agravar e tornar definitiva a agressão cometida em 1954, postulando o asfaltamento do referido trecho de estrada (…).
As justificativas apresentadas para o asfaltamento são todas centradas num eventual interesse econômico e social dos municípios de Medianeira e Capanema, sem qualquer preocupação com as repercussões altamente negativas da estrada sobre o equilíbrio ecológico da região. A propalada importância econômica e social da estrada, embora mais retórica do que verdadeira, não supera valorativamente a necessidade de preservação do meio ambiente, posto que sem este de nada valeriam os empreendimentos econômicos e sociais.
Apesar do IBDF manter-se firme, até agora, em não permitir o asfaltamento do trecho mencionado, a referida autarquia não adimple como é seu dever, a obrigação de tutelar devidamente o Parque Nacional do Iguaçu. Vale dizer, não permite que se amplie o índice de agressão ao Parque, mas, por outro lado, não age para fazer cessar a contínua ofensa ao ecossistema proveniente do trânsito pela referida estrada, que permanece liberada ao tráfego".
Depois de citar toda a legislação brasileira de proteção aos Parques Nacionais, os acordos internacionais assinados pelo País e o próprio Plano de Manejo do PNI ? especialmente no aspecto em que identifica a Estrada do Colono como cortando a zona intangível da reserva florestal ? O procurador da República acrescenta:
"Se, do ponto de vista técnico, a estrada carroçável que secciona a zona intangível do Parque Nacional do Iguaçu, já importa em grave ofensa ao equilíbrio ecológico da região, o pretendido asfaltamento obviamente tem efeitos negativos muito maiores. Entretanto, e isso é importante que fique reafirmado, do ponto de vista técnico é inadimissível que a referida estrada, mesmo carroçável, continue aberta ao tráfego. O seu fechamento é indispensável para a preservação da integridade do Parque Nacional, em especial de sua Zona Intangível, e ao equilíbrio das populações animais da região. (…) A autarquia que administra o Parque Nacional do Iguaçu havia previsto no Plano de Manejo (páginas 77 e 80) o fechamento da referida estrada tão logo fosse completada a pavimentação do trecho Santa Tereza, Realeza. Tal fato já ocorreu segundo ressai do mapa Rodoviário e Político do Estado do Paraná ? 1986 e o IBDF continua omitindo-se em realizar a interdição da referida estrada, permitindo a continuação da ofensa já mencionada, que deve cessar imediatamente".
No dia 10 de setembro de 1986 o juiz Milton Luiz Pereira, da 1 Vara Federal de Curitiba concedeu liminar determinando o fechamento da Estrada do Colono.
"A narrativa, pela realidade fática, clara e forte, prima facie, põe à luz que a zona intangível do Parque Nacional do Iguaçu, legalmente protegida, merece imediata proteção judicial, evitando-se a continuação de ofensas aos ecossistemas da região, preservando-se o meio ambiente de inestimáveis prejuízos por danos ecológicos mais extensos, que alterarão ou desvirtuarão os principais objetivos da reserva florestal, cuja primitividade natural deve ser preservada. (…) Determino que o IBDF, de imediato, como ‘obrigação de fazer’ providencie administrativamente o fechamento da estrada multicitada, Trecho entre as estacas 980 e 1820, Que atravessa o Parque Nacional do Iguaçu, para tanto, caso não possa agir por seus próprios meios, se necessário, desde logo, assegurando-se-lhe o auxílio da Polícia Federal e Rodoviária Federal, mediante simples requerimento a este Juízo, que requisitará a presença e participação da força policial", diz o documento.


Interdição e Reações

A estrada foi fechada no dia 12 de setembro, por agentes da Polícia Federal que montaram barreiras nas duas divisas do PNI, com auxílio de homens da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Florestal.
Logo em seguida começaram as reações contrárias à medida: o prefeito de Medianeira decretou estado de emergência no município; o governador João Elísio Ferraz de Campos foi à Brasília, no dia 17, pedir a reabertura da Estrada do Colono alegando que havia uma rebelião dos municípios da região. Aconteceram manifestações públicas, abaixo-assinados puxados por diversas instituições civis e religiosas; pronunciamentos de dezenas de Câmaras de Vereadores (inclusive de municípios de Santa Catarina e Rio Grande do Sul), Assembléia Legislativa e Câmara Federal. A maior parte dos documentos juntados nesta fase do processo protesta contra o fechamento, mas há também manifestações favoráveis, de entidades ambientalistas, da Câmara Municipal de Londrina ou da Secretaria da Agricultura de Cascavel.
A pedido da Justiça, a Polícia Florestal do Paraná apresentou um relatório demonstrando o trânsito de veículos na rodovia, no período de 8 a 18 de julho de 1986. Passaram pela Estrada do Colono 767 veículos (média diária de 76,7), sendo 190 ônibus, 80 caminhões, 437 automóveis, 50 caminhonetes e 10 veículos de outros tipos. No mesmo período foram atropelados e mortos seis animais no leito da estrada, embora a Polícia Florestal não identifique as espécies.
O município de Medianeira foi o primeiro a pedir na Justiça a revogação ou reformulação da liminar. Em 19 de setembro juntou petição aos autos onde se lê:
" O cumprimento da medida cautelar tomou toda a população, as entidades representativas, o comércio, a indústria, os transportadores, os agricultores e os Poderes Públicos de surpresa, conturbando, como é natural, a região e desarticulando o transporte que normalmente se fazia no mencionado trecho de estrada; - o despreparo para enfrentar a nova situação era geral. A celêuma chegou a tal ponto que se evidenciava a eclosão de sérios tumultos, frutos da comoção social criada. Grupos de centenas de pessoas, surpresos e revoltados, se dirigiam ao local da interdição, dispostos a rompê-la, ameaçava-se o ‘quebra quebra’ na cidade e a formação de barreiras na BR 277, no trecho Medianeira-Foz do Iguaçu, bem como na estrada ? que atravessa o mesmo Parque ? que demanda às Cataratas; o comércio, por cautela e receio, mas também em sinal de solidariedade à comunidade, cerrou suas portas. O caos e a intranquilidade imperavam."
O documento sustenta que a estrada foi aberta pela Coluna Prestes, em 1923 e historia as melhorias que foi recebendo, até 1972. "Este conjunto de fatos criou na convicção popular a certeza de que a estrada era plenamente legal", diz o representante de Medianeira, citando a interligação econômica entre as duas regiões e a existência de 57 viagens diárias de ônibus, pela estrada interditada. O percurso entre Medianeira e Capanema, de 80 km através do Parque, passou a ser de 230 quilômetros, passando por Leônidas Marques ? "não há outras alternativa", diz o documento. No final é pedida a reconsideração da liminar, até a finalização da causa: "A interrupção abrupta do trânsito que a (sic) 60 ou mais anos se faz pelo Parque, trará mais prejuízo à coletividade, no seu equilíbrio sócio-jurídico-econômico, do que benefícios na área vivencial. Esta área conquanto se reconheça prejudicada no que diz respeito ao Parque Nacional do Iguaçu, pela poluição sonora, gasosa, luminosa e quejandos provenientes do trânsito de veículos automotores, não o está em ponto crítico". Lembrando o relatório da Polícia Florestal sobre a morte de seis animais silvestres num período de dez dias ? classificada como de "reduzidas proporções" na petição do município de Medianeira ? o documento acrescenta: "tais acidentes podem perfeitamente, serem evitados, se for imposta rija regra de baixa velocidade no trânsito da área do parque".
Em 22 de setembro os municípios de Capanema e Planalto apresentaram um pedido de reconsideração da liminar onde informam que a estrada existe desde 1926 antes, portanto, da criação do PNI e do aparecimento de toda a legislação de proteção da área. Alegando que a lei não prejudica um direito adquirido, os autores do pedido acrescentam:
" Nota-se, data venia, que se está querendo que uma POBRE ESTRADA, inofensiva em todos os aspectos, pague uma imensa dívida, da devastação que se fez no país inteiro. Repetem os requerentes: O EXEMPLARISMO É REPUDIADO PELA JUSTIÇA BRASILEIRA. Que não sirva o povo de Capanema e Medianeira, mais especificamente, de cobaia para outras providências que advirão. Enquanto tudo se mostra impotente diante das grandes agressões, esta mísera estrada vai pagando pelo que nunca fez, o que seja, prejudicar a natureza. (…) O Plano de Manejo, evidentemente elaborado para atender a regulamentação dos Parques Nacionais, que é de 1979, foi feito depois da existência da estrada, de modo que jamais poderia Ter chamado de intangível a zona onde está a estrada porque ZONA INTANGÍVEL ‘é aquela onde a primitividade da natureza permanece intacta’. Ora, se existia a estrada, como os técnicos do IBDF poderiam chamar esta parte do parque de zona intangível. Ou eram desconhecedores da realidade ou tecnicamente incompetentes. (…) O Plano de Manejo é altamente falho, irreal, irracional, incorreto, parcial não podendo servir de alicerce para uma decisão que vem em prejuízo de uma vasta e rica região do Estado".
O pedido de reconsideração está baseado em três tópicos: grave lesão à ordem, citando as manifestações públicas; lesão à segurança e lesão à economia pública: "Dezenas de ônibus que vêm do Rio Grande do Sul e Santa Catarina rumo a Foz do Iguaçu e outros municípios do oeste do Paraná chegam até aqui e não podem continuar senão após fazer uma volta de mais de 130 quilômetros (…). Além disso, em Capanema está um frigorífico de frangos que adquire matéria prima em Medianeira e nesta cidade um frigorífico de suínos que adquire sua matéria prima em Capanema".
No dia 3 de outubro de 1986 o juiz Milton Luiz Pereira aceitou o município de Medianeira como litisconsorte passivo na ação, e, no mesmo despacho, negou a revogação da liminar. Idêntica decisão foi tomada pelo ministro Lauro Leitão, do Tribunal Federal de Recursos, no dia 20 de outubro, ao apreciar pedido de reconsideração formulado pelo governo do Paraná.
Nesta época começam a aparecer os processos judiciais correlatos e apensos ? muitas vezes responsáveis pela demora de tramitação da ação principal. O primeiro foi um mandado de segurança, impetrado pela Unesul de Transportes Ltda, contra o juiz Milton Pereira. A empresa, detentora de oito linhas de ônibus concedidas pelo DER e pelo DNER, com trajeto previsto pela Estrada do Colono, alegava prejuízos em função da decisão judicial. No dia 18 de março de 87 o Tribunal Federal de Recursos "não conheceu o mandado de segurança".
Ainda no mês de fevereiro, 16 outros municípios da região (Foz do Iguaçu, Capanema, Planalto, Santa Terezinha de Itaipu, Barracão, Vera Cruz do Oeste, Pranchita, Santo Antonio do Sudoeste, Marechal Cândido Rondon, Céu Azul, Santa Izabel do Oeste, São Miguel do Iguaçu, Santa Helena, Missal, Pérola do Oeste e Matelândia) apresentam petição com objetivo de integrar o processo, como litisconsortes. O mesmo procedimento é adotado pela Procuradoria Geral do Estado do Paraná que pede ainda a revogação da liminar e a realização de uma prova pericial para verificar se a execução da Estrada Parque não provocará danos ecológicos.

Primeira Sentença

A sentença do juiz Milton Luiz Pereira nos autos número 10.928/86 foi proferida em 17 de agosto de 1987. Ao historiar o processo, o juiz reconhece que o réu, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, sempre manifestou sua discordância com o asfaltamento do trecho e cita a informação do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) que "o antigo trecho da BR 163 (estadual transitória) entre Capanema e Medianeira, deixa de constar nos documentos que retratam a rede do Plano Nacional de Viação".
Em 34 páginas de inúmeras citações jurídicas, a sentença tem um trecho particularmente poético. "Apanhado o ideário desta ação, no meu sentir, toma forma que, no plano ambientalista, a intangibilidade do Parque é fundamental, movendo-se como superficial o interesse econômico, confessado anteparo dos litisconsortes, o que me permite, respeitosamente, como cordial lembrança transcrever: Lá longe, no céu, havia um ninho, E minha alma voou para lá, de lá olhou para fora, E viu o trabalho dos sóis, e dos sistemas dos sóis, E viu que uma folha de grama, não é menos importante que o trabalho viajor das estrelas. E a formiga é igualmente perfeita, assim como o grão de areia e o ovo da curruíra. E o sapo é uma obra-prima das maiores. E as amoras silvestres podem adornar os salões do paraíso - Walt Whitman"
A sentença faz referência ao I Encontro de Secretarias e Órgãos Municipais de Cultura, realizado em Foz do Iguaçu, que aprovou, por unanimidade, uma moção em favor do fechamento da Estrada do Colono, propondo um apelo às populações de Capanema e Medianeira para que cooperem com a preservação do PNI. "Segundo informes apresentados no Encontro, a caça de animais e a depredação de recursos florestais do Parque não foram interrompidos. É muito fácil encontrar nos restaurantes da região cardápios oferecendo pequenos animais do Parque. Ameaças de incendiar a floresta são frequentes".
Ao responder as ponderações de que a existência da estrada significa um direito adquirido o juiz cita um trecho do voto do ministro Lauro Leitão, do Tribunal Federal de Recursos, ao negar a cassação da liminar:
"Ainda que estivessem provados, e não estão, os danos econômicos aos municípios e ao Estado jamais poderiam servir de pretexto para sacrificar-lhes o interesse nacional e mundial na preservação de um parque que, pela sua importância como monumento natural e área de vegetação e vida animal, foi tombado por organismo internacional como patrimônio da Humanidade Aliás não seria possível prover sequer os supostos prejuízos econômicos (quais?) ao Estado como um todo e às coletividades locais, visto que, como está demonstrado, dispõem estas de outras vias de transportes. Por outro lado, a contrário do que afirma o requerente Estado do Paraná, ainda que a rodovia fosse anterior à criação do Parque Nacional do Iguaçu e as leis de proteção invocadas na inicial, não só poderia, como deveria ser fechada, se sua manutenção colidisse ? como colide ? com tais normas. Trata-se de flagrante ilegalidade superveniente, cuja correção é imprescindível, não se podendo cogitar, como é óbvio, de direito adquirido (de quem?) à sua manutenção.
Ainda que a construção da estrada não fosse ilegal, à luz das normas jurídicas vigentes à época, é certo que assim se tornou com a modificação do ordenamento jurídico. Isso nada tem a ver com o prinçípio da irretroatividade da lei, tratando-se, apenas de aplicação imediata da norma. Retroatividade haveria caso, por exemplo, se pretendesse impôr sanções a quem autorizou a construção. (…) Quanto ao uso imemorial, cabe acrescentar que o próprio conceito dessa forma de integração ao domínio público demonstra sua inexistência, no caso. Uso imemorial, como é óbvio, é aquele que se estende por um prazo de cujo início não se tem lembrança ou memória. Evidentemente o uso por tempo preciso (34 ou mesmo 63 anos) jamais poderá ser considerado imemorial de levar à aquisição de propriedade ou qualquer outro direito sobre um bem. Está demonstrado, assim, que não há, na hipóteses dos autos, nenhum direito adquirido de quem quer que seja à manutenção do uso comum da Estrada do Colono".
No final, o juiz Milton Pereira julgou procedente a ação, determinando ao IBDF a cessação definitiva do uso da Estrada do Colono e a recuperação de áreas degradadas no trecho.

Prova Pericial

A decisão da 1 Vara Federal de Curitiba foi parcialmente anulada pelo Tribunal Federal de Recursos, ao julgar a apelação apresentada pela Procuradoria Geral do Paraná. A liminar determinando a interdição da estrada foi mantida, mas os ministros remeteram o processo novamente para a primeira instância determinando que fosse permitida a realização de prova pericial. Assim a Procuradoria justificou o pedido:
"A questão de mérito do presente processo é o fechamento da Estrada do Colono. A causa de pedir, o desequilíbrio ecológico que seria causado ao Parque Nacional do Iguaçu com utilização dela e especialmente com o asfaltamento prometido pelo Estado do Paraná ante os insistentes apelos dos moradores daquela região. O fundamento da defesa está na afirmação da inexistência de dano à flora e à fauna em sendo o asfaltamento feito segundo projeto apresentado, o que seria demonstrado através da perícia requerida. Ressalte-se que o Estado do Paraná pretende transformar a atual estrada em Estrada Parque, aceitando as modificações que eventualmente fossem apontadas como necessárias pelos peritos. Ainda com fundamento no direito de ter acesso à região sul através daquela estrada, ou seja, da reabertura desta, alega-se a sua existência desde muito tempo, antes da criação do Parque (por volta de 1924), o que também seria provado na instrução da causa, e não em 1954, como afirmado
na inicial. Portanto, os fatos a serem comprovados através das provas requeridas são pertinentes e também relevantes para a decisão do litígio (…) Entretanto, data venia, é evidente a necessidade de uma perícia, sobretudo face as opiniões divergentes de ecologistas e a existência de estradas semelhantes em famosos parques alienígenas. E, se mais não fosse, pelo menos que se abrisse, com o deferimento da perícia, possibilidade de mais ampla defesa a litisconsorte que representa e é porta-voz da coletividade. (…) O que objetiva com a análise do projeto é convencer o Juízo não só de sua viabilidade técnica, negada pela sentença, como também sua finalidade econômica-social de importância relevante. A construção da Estrada Parque seria alternativa que permitiria atender aos interesses coletivos em jogo e conciliar os dois valores: econômico-social e ecológico".
No dia 30 de setembro de 1988 foram nomeados, pelo juiz da 1 Vara de Curitiba, os dois peritos: José Joaquim Corrêa da Silva, engenheiro civil e Ronaldo Viana Soares, engenheiro florestal. Depois de receber a proposta de custos da perícia, o juiz determinou, em 31 de outubro, que o Estado do Paraná depositasse os valores até 15 de novembro (na época eram 3.460 OTNs). Cinco dias antes do prazo, o procurador do Estado do Paraná alegou que não pagaria antecipamente porque a lei faculta o recebimento da perícia no final, pela parte perdedora. O juiz retoma, no dia 14 de novembro, informando ao Estado que os peritos não pagarão, inclusive despesas com o trabalho, do próprio bolso. E acrescenta que, se o depósito não for feito, considerará que houve desistência da prova pericial pedida. Além do Estado, também os municípios que figuravam como litisconsortes no processo foram comunicados da realização da perícia e convidados e apresentar quesitos.
O processo ficou parado até julho de 1989 quando a Procuradoria da República pediu o julgamento de mérito, alegando que o Estado não pagou a perícia. Poucos dias depois, o Estado comunica que desistiu do recurso para evitar o pagamento e faz uma depósito, de 34.553,00 Cruzados Novos. Nesta altura, contudo, o Ministério Público Federal já havia recorrido alegando preclusão: "Com efeito, a desistência do agravo, por parte do Estado do Paraná, não poderia jamais criar uma situação nova, como a de permitir o depósito dos honorários do perito, para assim salvar uma perícia cuja desistência já havia se operado, pela preclusão lógica, pela ausência de interesse processual manifestado na produção desta prova, diante da renitência em não efetuar o aludido depósito".

Segunda Sentença

O juiz Rubens Raimundo Hadad Viana, em exercício na 1 Vara, decidiu, em 18 de junho de 1990, confirmar integralmente a sentença de agosto de 1988 . "O pedido para realização dessa prova resultou, afinal, ser meramente protelatório face ao desinteresse demonstrado por seu requerente em sua realização efetiva", diz a sentença. Os municípios recorreram alegando várias questões processuais e novamente o cerceamento do direito de defesa pela não realização da perícia.
Em 28 de outubro de 1993 a juiza Luiza Dias Cassali, do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre anulou a sentença apelada, por defeitos formais e por cerceamento de defesa. "A jurisprudência orienta-se no sentido de que é nula a sentença que não menciona o nome de todos os litigantes. Por outro lado firmou-se a jurisprudência no entendimento de que o relatório inexistente ou incompleto causa nulidade da sentença. (…) De mais a mais, é de se convir, houve cerceamento de defesa em relação aos municípios acima nominados, de vez que não lhes foi oportunizado o depósito dos honorários periciais a fim de propiciar a realização da perícia requerida".
Em abril de 1994, a Procuradoria do Estado do Paraná informa ao juízo que não tem mais interesse na reabertura da Estrada do Colono e, desde então, deixa de figurar nos autos.
O processo novamente fica parado durante vários meses e passa a receber novos documentos apenas em meados de 1997 quando o Ministério Público Federal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) - que sucedeu o IBDF como órgão responsável pelo PNI - denunciam as ameaças e posterior invasão da Estrada do Colono, por moradores da região, comandados por lideranças políticas e parlamentares. Neste momento aparece pela primeira vez nos autos a Associação de Integração Comunitária Pró Estrada do Colono (Aipopec).

Primeira invasão

No dia 5 de maio de 97, uma comitiva da entidade foi recebida pela direção do Parque Nacional do Iguaçu, que fez entrega de um documento e comunicou a realização de uma manifestação popular no dia 13 do mesmo mês, na defesa da reabertura da estrada. No dia seguinte, a direção do Parque pediu reforço à Polícia Florestal para a data marcada, com objetivo de evitar depredações.
No início da tarde do dia 8 a invasão aconteceu e, segundo relato constante do processo, havia cerca de 400 pessoas dentro da área por Parque, por volta das 16 horas daquele dia. Uma comissão integrada pelo diretor do PNI, dois procuradores da República, um juiz federal, um delegado da Polícia Federal e o comandante do destacamento da Polícia Florestal foi até o local conversar com os manifestantes. "É oportuno registrar a presença de vários políticos no local, ex-deputados, deputados, prefeitos, ex-prefeitos e várias pessoas que se identificavam como líderes comunitários", diz o relatório da tentativa de diálogo, que não alcançou êxito. No dia seguinte a Justiça Federal concedeu reintegração de posse ao Ibama e determinou mobilização policial para fazer a retirada dos invasores.
Em 19 de maio a procuradora autárquica Marlene Dias Carvalho, da superintendência estadual do Ibama no Paraná, comunicou à juíza da 1 Vara Federal, de Curitiba, que a desocupação do PNI se faria, de maneira pacífica, até o dia seguinte. O documento cita que a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal se recusaram a cumprir a reintegração de posse, alegando falta de pessoal preparado. Em reunião convocada pelo próprio Ibama "a qual ocorreu em determinado momento em clima de muita tensão", ficou decidida a saída dos manifestantes e a realização de uma revisão imediata do plano de manejo, que já tem mais de 10 anos. "Restabelecida a ordem pública, os manifestantes, através de sua associação, contratarão uma empresa especializada para elaboração do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental, EPIA/RIMA, documentos estes imprescindíveis para esclarecer a viabilidade ou inviabilidade da abertura da Estrada do Colono", informou o documento da procuradora.
A desocupação, entretanto, não se efetivou no prazo previsto e seus promotores ganharam novo ânimo quando, no dia 27 de maio o juiz Paim Falcão, presidente do Tribunal Regional Federal da 4 Região, anulou a liminar datada de 1986. Ele citou, como fundamentos do pedido "grave lesão á ordem, à segurança e à economia públicas concretizadas: a) nas restrições do fluxo de mercadorias, já que praticamente não existem rotas alternativas na região; b) no isolamento de alguns municípios; c) na sobrecarga da Rodovia BR 277; d) na perda de investimento na região, pela emigração da população jovem. (…) Ressalte-se, por oportuno, que a proposta de utilização da estrada apresentada pelos requentes está cercada de cautelas tendentes à preservação do Parque Nacional do Iguaçu, havendo inclusive a sugestão de condicionamento da hipótese de suspensão da liminar à observância das seguintes condições: a) controle de ambos os acessos com guaritas de funcionamento ininterrupto para impedir toda e qualquer modalidade de tráfego que possa oferecer risco potencial à integridade do Parque Nacional; b) manutenção irrestrita do eixo e demais características da estrada nas condições da época em que foi interditada, sem alteração de sua configuração altiplanimétrica; c) completa interrupção do tráfego desde o pôr-do-sol até a aurora; d) a implementação e manutenção das medidas acima descritas se fará sem qualquer ônus para o Ibama e a Administração do Parque Nacional do Iguaçu; e) a comprovação de que restou transgredida quaisquer das condições acima expostas, quer pelo Ministério Público Federal, quer pela Administração do Parque Nacional do Iguaçu, quer pelos próprios municípios impetrantes (cujo comprometimento com a preservação do Parque não é menor, insista-se, do que aquele das demais entidades citadas) acarretará a volta ao status quo ante, recobrando sua plena eficácia a liminar cuja execução se quer ver suspensa. É de ser consignado que medidas que visem à proteção do ambiente e sobretudo, como neste caso particular, de áreas de importância incalculável para o equilíbrio ecológico, devem ser sempre incentivadas e merecem o aplauso de toda a coletividade. Entretanto, o afã de promover a conservação ambiental não pode redundar na crença espúria de que o progresso econômico e social da comunidade tenha necessariamente que acarretar prejuízo ao ecossistema".
Esta quebra das condições, pelos documentos dos autos, aconteceu em seguida. No dia 2 de junho, técnicos do Ibama assinaram um relatório de vistoria na área ocupada: "Foi constado pelos servidores o tráfego de pelo menos 15 caminhões tipo caçamba carregados de terra e descarregando ao longo da estrada, onde pelo menos 4 tratores pesados e dezenas de homens trabalhavam no que parece ser o encascalhamento da estrada.
Identificou-se também que as máquinas estavam derrubando algumas árvores para o alargamento da estrada, como também para o manilhamento de cursos d’água, sem critérios ou avaliação de impactos ambientais dessas obras, em ferindo totalmente as normas ambientais". O mesmo relatório informa que o pedágio cobrado é de R$ 4,00 para veículos grandes; R$ 2,00 para carros menores e R$ 0,50 por pessoa.
No dia seguinte (2 de junho de 1997) o Ministério Público Federal requereu à Justiça a interdição da rodovia, já que não estavam sendo cumpridas as determinações do despacho do juiz Paim Falcão no sentido de manter as características da estrada nas condições da época em que foi interditada.
"Se os municípios pretendem colocar cascalho na via (situação que, inexoravelmente, altera as características que a estrada tinha na época em que foi interditada) cumpre entender que tais interessados extrapolam os limites da decisão judicial, agindo de forma ilegal e abusiva. Ainda, a presença de motoniveladora representa, obviamente, tentativa de ampliar a largura da estrada ( que, em seu leito natural, não comportaria a passagem de máquina de tal espécie). O mesmo se diga em relação ao manilhamento da água".
Nesta fase começam novamente a aparecer as ações e processos que se juntam aos autos principais. Uma delas recebeu sentença do juiz federal José Ribeiro, de Foz do Iguaçu, em 5 de junho de 97. Era um pedido de reitegração de posse acumulado com indenização por perdas e danos, impetrado pelo Ibama contra Marcos Rogério Pagani (coordenador da Aipopec) e outros, pela ocupação da Estrada do Colono, em maio. O juiz negou o pedido com base no despacho do juiz Paim Falcão que permitira a reabertura da rodovia:
"Entendo que os requeridos não estão cometendo esbulho possessório, como se alega na exordial. Estão na posse da Estrada, praticando atos possessórios, visando colocá-la em condições de traficabilidade, eis que amparados em decisão judicial, que cassou a liminar que havia determinado seu fechamento. Se ao praticarem tais atos os requeridos estiverem desrespeitando as condições estabelecidas no decisório que autorizou sua reabertura ? fato alías não alegado na inicial ? então cabe à autora, a meu ver, denunciar tal irregularidade perante o juízo competente, onde tramita a Ação Civil Pública já mencionada, para que ali se tomem as providências necessárias, uma vez que, havendo descumprimento das condições impostas, a liminar suspensa volta a Ter eficácia, nos termos da decisão que suspendeu sua execução".
A batalha jurídica que se travava em diversos tribunais naquele período teve um novo desdobramento no dia 19 de junho de 97 quando o ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, do Superior Tribunal de Justiça, cassou a liminar do presidente do Tribunal Regional Federal da 4 Região, que havia possibilitado a abertura legal da estrada. Paim Falcão, segundo o ministro, era incompetente para julgar a matéria que já tinha sido apreciada pelo extinto Tribunal Federal de Recursos, mantendo a liminar de fechamento da rodovia.
Em 23 de junho o juiz da 1 Vara Federal de Curitiba intimou o Ibama para que cumprisse a nova decisão judicial, garantindo a interdição da Estrada do Colono. Foram intimados também os municípios que figuravam nos autos para que cessassem todas as obras referente à reabertura da estrada, bem como a empresa responsável pela balsa que estava fazendo a travessia do Rio Iguaçu. No dia primeiro de julho aconteceu a desocupação, mas o clima continuou tenso no local.
Em quatro de julho, por exemplo, uma equipe de nove técnicos do Ibama foi enviada à Estrada do Colono com objetivo de fazer uma vistoria, a pedido da Procuradoria da República. Um portal, construído pelos invasores, estava trancado com corrente e cadeado. O guardião presente ? que disse estar trabalhando para a comunidade, sem qualquer remuneração ? foi levado até sua casa para pegar a chave. Os técnicos percorreram seis quilômetros no interior do Parque e constataram:
"Alteração do nivel planialtimétrico do leito original da estrada, variando entre 30 a 80 cm e a largura da estrada medida entre a vegetação de suas extremidades varia de 13 a 20 metros. Todo trajeto percorrido está cascalhado e compactado, com escavações nas margens para escoamento de águas, com cerca de 100 metros entre uma e outras, Nas proximidades do córrego Silva Jardim a escavação adentra a floresta cerca de 50 metros com escoamento para o leito do mesmo com processo de lixiviação. Foram observados vários cortes de árvores, de diferentes diâmetros, de diferentes espécies, inclusive palmito, escondidos na mata nas proximidades da estrada. O restante do material, estimado em 500 m3, compostos de resíduos florestais, foi retirado da área do Parque e se encontra depositado cerca de 2 km da entrada do Portal".
Menos de duas horas depois de iniciada a vistoria, os técnicos foram avisados por soldados da Polícia Florestal que havia uma manifestação na entrada do PNI e "a situação estava ficando crítica". Os prefeitos de Serranópolis do Iguaçu, Nilvo Perlin e de Medianeira, Luiz Suzuki, estavam presentes. Os funcionários foram acusados de agressão contra o guardião que estava na entrada e, durante seis horas, foram retidos pelos manifestantes, em clima de muita tensão. "Ao longo da permanência no local, os servidores do Ibama sofreram diversas provocações de caráter pessoal e profissional, havendo momentos de grave risco à integridade física e do patrimônio (veículos)". A vistoria não foi concluída.

Novamente a Perícia

Durante o mês de agosto de 97 a 1 Vara Federal voltou a contatar os dois peritos ? nomeados há praticamente dez anos ? para que confirmassem os valores dos honorários. Ronaldo Viana Soares determinou sua parte em R$ 29.930,00 e José Joaquim Corrêa da Silva em R$ 17.200,00. Em 10 de outubro a juíza Cristina Rocha determinou que cada município depositasse R$ 2.618,34 para pagar a perícia. As precatórias foram expedidas apenas no dia 12 de fevereiro de 98 e - pelo que se lê na folha 2.174 dos autos - a Prefeitura do Foz do Iguaçu, por exemplo, recebeu sua intimação apenas no dias 15 de abril. Antes disso, ainda em março, oito municípios haviam comunicado a impossibilidade de efetuar os depósitos por falta de previsão orçamentária. Uns poucos cumpriram a ordem judicial entre fevereiro e março de 98.
A pedido do Ministério Público Federal foram realizados ainda dois atos importantes no processo, no segundo semestre de 97: a empresa Comércio e Navegação Andreis Ltda, responsável pela operação da balsa no Rio Iguaçu foi intimada a não operar o serviço, por decisão judicial. E o Tribunal de Contas do Paraná realizou auditoria em cinco municípios - Serranópolis do Iguaçu, Missal, Medianeira, Santa Terezinha de Itaipu e Capanema ? "para apurar eventual malversação de verbas públicas por ocasião de manifestações públicas locais visando a reabertura da Estrada do Colono". O auditores apuraram que a Prefeitura de Capanema tinha autorização legislativa para doar até R$ 15 mil à Aipopec, tendo feito dois desembolsos no valor total de R$ 8,5 mil. Além disso foram cobertas despesas com alimentação, viagens, publicidade, fotografias e locação de som, somando R$ 2,5 mil. Em Serranópolis do Iguaçu três leis municipais definiram subvenções sociais no valor de R$ 53 mil, integralmente empenhados entre abril e julho de 1997. A Prefeitura pagou ainda outros R$ 9,9 mil em despesas gerais com as atividades de invasão da Estrada do Colono.
"De acordo com as evidências apontadas, observamos que no geral os municípios efetuaram pequenas despesas com o evento visando a reabertura da Estrada do Colono, não caracterizando abuso, malversação de recursos públicos, ou ainda promoção pessoal dos Chefes dos Executivos Municipais. A exceção ficou por conta de Serranópolis do Iguaçu que se viu na obrigação de arcar com a maior fatia das despesas, uma vez que os acontecimentos se deram praticamente dentro de sua sede municipal, e ainda pelo fato de seus munícipes assim o exigirem por serem os maiores beneficiados com a possível reabertura. Os equipamentos e caminhos utilizados na reabertura e readequação da estrada, foram na maioria cedidos por empresas particulares e do próprio Município, todos interessados direta ou indiretamente, nos benefícios que a reabertura poderá lhes oferecer. O município de Serranópolis do Iguaçu foi o único que cedeu apenas uma motoniveladora que trabalhou por 180 horas na patrolamento da rodovia que lhe pertence. Por outro lado, o Município de Serranópolis do Iguaçu, pretende solicitar reembolso do valor dos gastos citados como ‘outras despesas’ no montante de R$ 9.972,53, junto à Aipopec. Outro fato que merece destaque é a cobrança de pedágio que ocorreu na entrada do Parque Nacional do Iguaçu, com direito a travessia da balsa sobre o Rio Iguaçu, entretanto tais recursos foram arrecadados pela Aipopec, e utilizados no custeio da movimentação ocorrida nos meses de maio a junho de 1997", diz o relatório dos auditores do TC.
Em 24 de novembro de 97, o Tribunal Superior de Justiça negou pedido dos municípios no sentido de restaurar a decisão do juiz Paim Falcão, devolvendo a questão ao juízo de primeira instância.
Outra ação paralela foi encaminhada no dia 12 de dezembro de 97, pelo Ibama contra a Aipopec pedindo a devolução do dinheiro arrecadado no pedágio durante o período em que a Estrada do Colono ficou aberta ? Já que se trata de um bem público ? E ainda uma indenização de R$ 52 mil que seria o montante gasto na construção e conserto da cerca destruída pelos manifestantes nas entradas da rodovia. "Sabe-se que a média diária de veículos que cruzaram a Estrada durante o mês de junho de 1997 foi de 220 a 230 veículos, entre carros de passeio, caminhões, ônibus e utilitários, conforme estimativa do comandante da Polícia Florestal", informou a petição inicial do processo, que recebeu número 97.0026351-7, na 1 Vara Federal em Curitiba.
A contestação da Aipopec, apresentada em 14 de maio de 1998, enfocava já uma nova realidade: a Estrada do Colono havia sido novamente invadida em 10 de janeiro de 98 e estava reaberta. Os advogados da Associação negam qualquer participação da entidade nesta nova ocupação e atribuem o fato à demora do Ibama em promover a revisão do Plano de Manejo do PNI. Informam que, pelo acordo de desocupação em julho de 97, o órgão teria 90 dias para completar este trabalho ? prazo prorrogado por mais 60 dias, com a concordância da Aipopec e dos municípios. Embora tenha participado de inúmeras reuniões e documentos oficiais, além de Ter aparecido frequentemente na imprensa como responsável pela reabertura da estrada, a Aipopec negou esta condição:
"A suplicante não foi responsável por nenhum invasão da Estrada do Colono, quer em maio de 1997, quer em janeiro de 1998. Em 1997 ainda estava investida ex facto da condição de representante das lideranças populares da região atingida, e como tal promoveu o encontro, com missa e outras manifestações, ocorrido em 13 de maio de 1997, fora dos limites do parque. Mesmo assim, dita ocupação havia ocorrido dias antes, por populares que sequer associados da Aipopec eram ou até hoje são. E no que concerne aos episódios de janeiro do corrente ano, a participação da Aipopec é nenhuma. Não derrubou cerca alguma. Não ‘liderou’(sic) qualquer invasão. Não cobra ou cobrou qualquer ‘pedágio’ pelo uso da Estrada do Colono. Sequer teve associados seus presentes aos acontecimentos", diz a contestação da entidade.

Segunda Invasão

A efetivação da nova invasão da estrada, de resto, já estava presente no processo principal desde 1`2 de janeiro, quando a Procuradoria da República denunciou o ocorrido na véspera e pediu providências, entre as quais as prisões dos proprietários da empresa F. Andreis S.A.; dos condutores da balsa e do presidente da Aipopec, Marcos Pagani. "Lamentando a chicana que se pretende instaurar no presente processo, bem como o total desrespeito demonstrado para com o Poder Judiciário por estes vândalos marginais, pede-se deferimento", finaliza o procurador Sérgio Cruz Arenhart.
O juiz Zuudi Sakakihara despachou dois dias depois determinando a evacuação da Estrada do Colono e o bloqueio da rodovia, pela Polícia Rodoviária Federal. Com relação aos pedidos de prisão, " o juízo cível não é competente", disse o juiz. "A mencionada Estrada do Colono está fechada por decisão judicial e as pessoas, entidades e órgãos foram devidamente intimadas, mais de uma vez. A invasão da estrada, com destruição da cerca e danos `a floresta configuram crimes de desobediência e contra o meio ambiente, cuja apreciação não cabe ao juízo cível", diz o despacho.
Nos dias seguintes aconteceu uma intensa troca de correspondência entre o Ministério Público, o Ibama e os organismos de segurança (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar) no sentido de desocupar a área. No dia 23 de janeiro, dois agentes da Polícia Federal assinam um relatório dando conta da impossibilidade de cumprimento da determinação judicial de lacrar a balsa que estava novamente operando em Porto Lupion. Os policiais relatam que foram recebidos por cerca de 300 pessoas, na passagem que dá acesso à balsa, no município de Capanema. Cercados pela multidão, eles leram a ordem judicial que foi recebida com gritos de inconformismo, anunciando que não aceitariam a medida. Ninguém quis assinar a intimação e muitos disseram que o movimento não tinha um líder, mas toda a população de Capanema era responsável.
"Diante do clima inamistoso com que fomos recebidos e tratados, sendo que era impossível identificar algum líder ou responsável pelo movimento, encerramos a missão, visto que nossa integridade física poderia ser ameaçada, e não surtiria efeito algum para a missão, retornando para o posto no qual estamos lotados. Em tempo: a cidade dispõe de um esquema de alerta, no qual todos os habitantes são avisados por meio de sirenes, instaladas em toda a cidade, que convocam a população para reação a qualquer atitude hostil por parte do Estado. Assim sendo, em questão de minutos, é possível reunir uma quantidade considerável de pessoas, que se apresentam, independente do que estejam fazendo", completa o relatório da Polícia Federal.
No final de janeiro oito técnicos do Ibama assinaram um novo relatório informando sobre as tentativas de fazer cumprir a ordem judicial com notificação dos invasores para se retirarem da estrada. No período de 22 a 27 de janeiro foram feitas várias reuniões com participação dos órgãos de segurança e do Ministério Público. Constatou-se:
"Os manifestantes estão muito bem organizados, utilizando serviços de comunicação avançados, tais como fax, computador, serviços de rádio FM e rádio-transmissão, veículos de apoio com sirenes para alerta em caso de tentativa por parte do Ibama de cumprir a ordem judicial. Também ocorreram simulações de resistência a possível ação policial, havendo interdição da estrada velha de Guarapuava, evitando rotas terrestres alternativas de acesso à área. No rio os invasores dispõem de embarcações velozes coordenadas por sistema de comunicação. Há informações do envolvimento da Igreja apoiando o movimento, explicitamente através do Padre Armando da Costa, da Paróquia de São Miguel do Iguaçu."
O relatório cita que agentes da Polícia Federal ponderaram quanto aos riscos da operação como sequestro e perigo à integridade física e moral dos servidores do Ibama. Além disso, havia informações sobre ameaças de atear fogo ao Parque. "Considerando que a equipe não dispõe do apoio necessário das forças de segurança que garantam a integridade física dos agentes; que as informações são claras quanto ao risco; que as notícias veiculadas na imprensa demonstram que os invasores estariam dispostos a um confronto direto e, finalmente, considerando os riscos à integridade do Parque Nacional do Iguaçu, decidiu-se, por unanimidade, paralisar a operação ora planejada", informa o relatório.
Na mesma época (20 de janeiro), o advogado dos municípios, Pedro Henrique Xavier, encaminhou pedido de reconsideração da liminar. Entre outros argumentos, ele sustenta que os municípios não foram ouvidos quando a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal julgou o recurso do Ministério Público contra a decisão do juiz Paim Falcão, que reabriu a estrada. A intimação foi postada para o advogado curitibano, em Porto Alegre, no dia 25 de junho de 97 e o julgamento deu-se no dia seguinte, com prejuízo da defesa. Em sua petição, o advogado informou ainda que a população da região ficou inconformada com o descumprimento das disposições manifestadas nos primeiros dias de julho de 97, no sentido de encontrar uma solução para impasse:
"O que se viu foi a completa reversão das mais singelas expectativas populares. Os dirigentes das entidades pro-reabertura da estrada foram criminalmente processados. Os prefeitos foram taxativamente admoestados a se absterem de qualquer participação em tais movimentos. A conduta do Ministério Público Federal, ao invés de contemplar a inequívoca disposição da população em acatar as ordens judiciais, só fez o contrário: insuflar os ânimos populares, através de duríssimas medidas de cunho policialesco, tomadas contra seus líderes e representantes eleitos pelo voto universal e democrático".
O documento dá conta que a Aipopec afastou-se do movimento e que os municípios nada fizeram na nova ocupação da estrada:
"Mas, a bem da verdade, é preciso admitir que tampouco buscaram demover a população deste propósito, até porque tinham, como têm, fundado receito de que qualquer forma de sua participação, ainda que para dissuadir a utilização da estrada, venha a ser mal interpretada pelo Ministério Público Federal e entendida como descumprimento das ordens prolatadas.
No entanto, a situação exige providências Todas as informações dão conta de que o uso da estrada tem sido feito de modo pacífico, contido, organizado e controlado pela própria população. Fiscais percorrem continuamente os 17 km da estrada, coibindo qualquer dano ambiental. Os transeuntes estão sujeitos à completa proibição de parar ou descer de seus veículos. Ao ingressarem na estrada, recebem cartilha com os propósitos do movimento e recomendações expressas quanto à preservação do Parque. Estudantes uniformizados, durante todo o período em que a estrada é aberta ao público, prestam o trabalho voluntário de conscientização de cada utente da rodovia. Todas as condições constantes da liminar concedida pelo Exmo. Sr. Presidente do E. Tribunal Regional Federal da 4 Região estão sendo minuciosamente atendidas. A estrada só está aberta durante o dia. Somente veículos leves por ela trafegam.
Caminhões de qualquer tonelagem estão sumariamente impedidos de usar a estrada. Quaisquer cargas, de qualquer natureza (o que evidente inclui cargas vivas, agrotóxicos, produtos químicos, inflamáveis, etc) estão rigorosamente proibidos. Há controle de velocidade máxima (40 km horários) em toda a extensão da estrada, o que é fiscalizado pelo controle volante antes referido.
E mais importante: a população do Oeste e Sudoeste está ciente de que só cuidando bem da estrada é que poderá tê-la de volta.
Num tal estado de espírito o uso da força para re-interdição da estrada será um completo desastre. Um desastre político (porque contraria a vontade da esmagadora maioria da população do Oeste e Sudoeste do Paraná), um desastre jurídico (porque o despacho do juiz presidente do TRF terminará sendo restaurado, dada a manifesta ilegalidade de sua cassação), e principalmente um desastre ambiental. Porque, se expulsa à força, é certo que a população reagirá de igual modo, contra os agentes da repressão ou contra o próprio Parque, é forçoso reconhecer…" Em 11 de maio de 98 a Procuradoria da República voltou a peticionar:
"A última invasão data de 11 de janeiro e perdura até hoje, com ares de legalidade, e com afronta direta ao comando judicial e ao Estado Brasileiro, que parece inerte e alheio aos acontecimentos locais, como se a questão não dissesse respeito à soberania nacional ou aos interesses da coletividade (que transcendem, evidentemente, os interesses das comunidades locais). Evidente que a presente invasão tem objetivo bem definido. Ao lado de criar um fato político, facilitando para muitos ‘políticos’ inescrupulosos sua eleição (ou até reeleição) no pleito que se avizinha, pretende criar fato novo no processo, que sem isso jamais poderia ensejar o julgamento desfavorável da pretensão inicial. (…) Ciente de que não poderiam os municípios lograr a consecução de uma ‘estrada parque’ no local, é certo que pretendem eles vencer a presente ação através da única saída viável nesta hipóteses: o fato consumado (…) Obviamente o judiciário não pode fechar os olhos para esta situação, nem fingir o desconhecimento desta tentativa, absurda e injurídica, de burlar a lei e a Justiça, nem poderá jamais acolher a tentativa que se divisa óbvia de conduzir o processo, por expedientes inusitados, ao fato consumado.
Note-se que não se trata de mera ilação, sem qualquer fundamento. Ao contrário, há plenas evidências nos autos desta tentativa dissimulada de obter a improcedência da ação por vias oblíquas. Em primeiro lugar, tem-se as invasões sucessivas e injustificadas, após quase dez anos de fechamento. Em segundo, tem-se que estas invasões são patrocinadas, exatamente, pelos municípios lindeiros ao Parque (réus da presente ação e maiores interessados na reabertura da estrada), conforme farta documentação que acompanha a presente manifestação. Em terceiro tem-se agora a estranha posição de tais municípios, afirmando que não teriam condições de arcar com as custas processuais dos peritos nomeados (isto após tanta insistência em que a perícia fosse realizada), sendo que todos não disporiam de recursos financeiros para pagar tal diligência ? Para tal finalidade certamente não disporiam de recursos, mas puderam gastar mais de R$ 80 mil para fazer frente às despesas com a primeira invasão da Estrada do Colono (conforme constatação efetivada pelo Tribunal de Contas do Paraná)."
Depois de citar o fato de que os ofícios enviados pelas Prefeituras ao juízo informando de falta de recursos para pagamento da perícia, terem o mesmo e exato teor, o procurador acrescenta:
"Trata-se, na realidade, de uma artimanha traçada a fim de protelar o processo, pois certamente os municípios já haveriam de ter providenciado o depósito ? Mormente levando-se em conta a rapidez com que têm agido para mobilizar recursos quando se trata de invadir, desmatar e montar acampamentos no parque. (…) Importante ressaltar que os defensores da abertura parecem não ter uma posição definida acerca de sua utilidade. Inicialmente justificavam a abertura afirmando ser essencial para o desenvolvimento econômico da região. Hoje falam em ‘estrada parque ‘, de modo que os veículos pesados e cargas de qualquer natureza estariam rigorosamente proibidos de por ela trafegar. Apesar, contudo, de haver uma decisão determinando o fechamento da estrada, para os invasores o único fator que atualmente tem impedido a passagem de caminhões são as fortes chuvas que vinham ocorrendo na região, conforme por eles declarado em notícias no Jornal Gazeta do Povo de 24/02/98. O que se vem pretendendo, neste processo, é um verdadeiro desvirtuamento daquilo que seria o verdadeiro bem estar que deve ser buscado. E este não é, certamente, apenas aquele proveniente do desenvolvimento econômico. Não é este que deve vir em primeiro lugar, na medida em que a defesa do meio ambiente figura como um dos princípios norteadores da ordem econômica segundo a Constituição Federal de 1988".
No final, o Ministério Público pede a intervenção do Exército a fim de promover a desocupação da estrada.
Um nova ação paralela chegou à Justiça Federal em agosto de 1998. Desta vez a Aipopec e o município de Serranópolis do Iguaçu acusaram o Ibama por danos ambientais. A denúncia ? Transformada no processo 98.0017285-8 ? Diz que áreas do Parque Nacional do Iguaçu estariam sendo desmatadas para construção de uma cerca, inclusive com " corte raso na floresta protetora da Zona Intangível do PNI, em manifesto e continuado ato de agressão ambiental". O Ibama respondeu demonstrando que a cerca ( de 25 km) estava sendo construída em área onde havia registro de ataques de animais às propriedades vizinhas e todos os trabalhos foram vistoriados por uma equipe especial, sem a constatação de nenhuma irregularidade. O pedido de liminar que consta desta ação não foi despachado até a presente data (março de 1999) e o processo se encontra concluso para despacho do juiz.
Da mesma forma se encontra a espera de sentença o processo 97263517, movido pelo Ibama contra a Aipopec. Um outra ação correlata (97188817), encaminhada em julho de 1997, onde quatro entidades ambientalistas? Força, Ação e Defesa Ambiental (Fada); Mater Natura, Instituto de Estudos Ambientais; Liga Ambiental e a Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS) ? pedem para ser admitidas como litisconsortes no processo, ao lado do Ministério Público, está aguardando intimação das partes para especificação de provas.
O processo principal, iniciado em agosto de 1986, conta em março de 1999 com mais de 2.200 páginas em nove volumes e ainda aguarda a complementação do pagamento dos peritos, por parte dos municípios. Um dos últimos documentos foi entregue pelo Ministério Público em 23 de novembro de 98 e denuncia a utilização da Estrada do Colono como rota de tráfico de drogas. No dia 18 de novembro a Polícia Civil de Medianeira apreendeu cerca de 20 quilos de maconha que estavam sendo transportados através da estrada.
"Todos esses episódios, que nada mais são do que um contínuo desrespeito ao Poder Judiciário estão chegando a uma grau em que, quanto maior for a demora para tomada de providências efetivas, maiores serão os prejuízos à comunidade. Esses fatos tornam-se mais gravosos diante da denúncias apresentadas nas publicações dos jornais ‘O Estado do Paraná’, ‘Folha de Londrina’ e ‘Jornal do Estado’, informando que funcionários do ‘Movimento Popular Amigos do Parque Nacional do Iguaçu’ além de já cobrarem, ilegalmente, pedágio, estão também recebendo dinheiro para liberar a passagem de ônibus com contrabando e de traficantes de drogas".
A Procuradoria finaliza reiterando necessidade de medidas urgentes para desocupação da área.


ASPECTOS AMBIENTAIS

Os principais estudos ambientais envolvendo a Estrada do Colono e seus impactos no Parque Nacional do Iguaçu (PNI) integram a presente revisão do Plano de Manejo, Este anexo concentra as informações sobre o assunto, dispersas nos vários textos e acrescenta algumas manifestações externas de estudiosos e ambientalistas.
Entre os que defendem a reabertura da rodovia - e sua utilização como via normal de tráfego ou como "Estrada Parque" - não existem estudos aprofundados sobre os impactos ambientais da ligação no conjunto do PNI. A Associação de Integração Comunitária Pró Estrada do Colono (Aipopec) apresentou, em 1997, o trabalho "Integração Regional do Parque Nacional do Iguaçu" onde aponta vários programas com objetivo de favorecer o relacionamento da comunidade local com a unidade de conservação. Um dos tópicos da proposta é a reabertura da Estrada do Colono (rebatizada como Caminho do Colono). Os autores do trabalho reconhecem os possíveis danos ambientais da medida, mas reduzem seus impactos, como se verá da transcrição posterior dos trechos principais do documento.
A existência da Estrada do Colono foi apontada como o maior problema do PNI no relatório final "Avaliação Ecológica Rápida para o Diagnóstico Ambiental do Parque Nacional do Iguaçu", concluído em janeiro de 1999. O estudo recomenda "por questão de ordem estritamente técnica, o urgente fechamento da estrada do Colono, cuja utilização pública cria uma área de extrema suscetibilidade à degradação ambiental em todos os sentidos". O resumo dos problemas e impactos gerados sobre a vegetação, a fauna e os corpos hídricos pela Estrada do Colono foi assim exposto pelos técnicos responsáveis pela avaliação:
"Modificação da vegetação imediatamente situada em ambas margens da estrada, em razão de alterações microclimáticas, resultando no chamado efeito de borda, provocando uma mudança radical nas comunidades vegetais da floresta nas margens da estrada;
d) Faixa de vegetação alterada formada em ambas margens da estrada, deixa de ser funcional para algumas espécies de animais, e constitui-se em obstáculo a sua natural dispersão;
e) Instalação de efeito de borda significativo devido a fragmentação do habitat;
f) Favorecimento a penetração e fixação de espécies de ambientes abertos, que podem ser consideradas colonizadoras da faixa marginal, promovendo substituição de comunidades naturais;
g) Favorecimento a penetração de caçadores e animais domésticos como cães, gatos, porcos e ratos, lesivos às espécies nativas;
h) Presença de espécie vegetal ameaçada de extinção (jaracatiá Jacaratia spinosa ) evidenciando-se a necessidade de preservação da área;
i) Ausência de cuidados com a drenagem superficial, profunda e de procedimentos visando a conservação de solos;
j) Interrupção do livre escoamento de cursos d’água, causando alagamento de trechos viários durante as chuvas intensas;
k) O transporte de grande quantidade de partículas sólidas, provenientes do material constituinte da pista de rodagem, para dentro de rios atravessados pela rodovia, provocam drásticas modificações na coloração da água e natureza do leito dos cursos d’água;
l) O aumento da turbidez provoca a redução da penetração da luz solar no meio aquático, gerando sobre os peixes alterações dos ritmos circadianos;
m) A acumulação dessas partículas sólidas em suspensão, sobre as brânquais pode também causar mortes dos peixes por asfixia;
n) A deposição desse material alóctone soterra a comunidade bentônica que representa importante fonte de alimento para os peixes;
o) O soterramento traz ainda impacto sobre as atividades reprodutivas de peixes que utilizam do substrato para deposição de ovos havendo o soterramento de ninhos, ovos e larvas;
p) No rio Quilômetro Oito, pesquisado pela AER, no trecho a jusante da estrada foram registrados valores de cor, turbidez, fósforo total, ferro total, manganês, cobre, coliformes totais e fecais, significativamente superiores aos limites propostos na Resolução número 20/86 do CONAMA para águas de Classe 1, tais valores estão associados a entrada de sedimentos e poluentes associados através do escoamento superficial da estrada;
q) Elevado risco de atropelamento de animais silvestres, em função da alta velocidade desenvolvida por veículos em trânsito pela estrada, verificada durante os trabalhos de campo, tendo-se estimado veículos a mais de 80 km/hora em dia de chuva;
r) Risco de acidente com cargas tóxicas ou perigosas pois trafegam veículos pesados (foram observados ônibus e caminhões de três eixos);
s) Emissão de gases provenientes dos veículos (CO, CO2, SO, etc) e ruído;
t) Tráfego noturno e por número elevado de veículos, o que é extremamente desaconselhável em local de uso e trânsito de animais silvestres;
u) Não houve, na área em que esta estrada está alocada, na unidade de conservação, um grau elevado de interferência antrópica, de forma que toda área merece o destino da preservação e da recuperação florestal nativa;
v) Permite a penetração de uma entomofauna característica de áreas devastadas, normalmente muito competititva pelos recursos, o que causa a redução da entomofauna nativa;
w) Com todo o movimento observado de carros, certamente os lepdópteros deixam de constituir pontos de briga, em que os machos espantam concorrentes do mesmo sexo e disputam as fêmeas para o acasalamento, e também não podem se nutrir de sais dissolvidos nas areias úmidas da beira dos córregos, evidentemente prejudicando sua reprodução e forrageamento."

Efeito de Borda

O estudo "A Fragmentação dos Habitats e o Parque Nacional do Iguaçu", realizado em setembro de 1998 pela ecóloga Lourdes M. Ferreira, apresenta um vasto apanhado de pesquisas realizadas em vários países sobre a fragmentação dos ambientes naturais e seus efeitos sobre as populações animal e vegetal. O trabalho se aprofunda nos danos causados pelas derrubadas de florestas e completa-se com o estudo de caso do PNI.
As florestas tropicais sãos os ecossistemas terrestres de maior diversidade no mundo, mas têm sido destruídas em ritmo galopante. O desmatamento fragmenta as florestas e "ilhas" de vegetação vão sendo deixadas no meio de uma paisagem totalmente modificada. No estado do Paraná quase toda a cobertura florestal foi destruída, restando menos de 5% das matas originais. Na região Oeste, onde fica o PNI, o processo de colonização foi rápido e, em menos de meio século, praticamente toda a cobertura vegetal foi retirada. A expansão da agricultura, incentivada pelas férteis terras roxas de região, fez com que hoje restem apenas 3,4% da Floresta Estacional Semidecidual que cobria a área. O Parque Nacional do Iguaçu concentra, sozinho, 59% deste remanescente.
A fragmentação dos habitats é apontada por alguns autores como a mais séria ameaça para a diversidade biológica e é a primeira causa da atual crise de extinção de espécies. Esta fragmentação atua sobre a ecologia das florestas tropicais úmidas em seus diversos aspectos, alterando a diversidade e a riqueza de espécies, a composição das biotas dos fragmentos e mudando processos como a ciclagem de nutrientes e polinização. A dinâmica da floresta também sofre alteração, registra-se mortalidade de árvores e formação de clareiras no interior da mata, devido a mudanças no microclima e aumento na turbulência dos ventos próximos às bordas.
Os sistemas fragmentados sofrem ainda mais pressão por caça, incêndios e invasão de espécies exóticas. As populações animais apresentam redução do seu tamanho (insularização), o que pode levar a diferentes problemas genéticos. As espécies que necessitam grandes áreas não sobrevivem em fragmentos. A maioria dos grandes vertebrados não consegue se manter em florestas menores do que 100 km2. A perda de espécies do topo da cadeia alimentar tem consequências variadas. Pode, por exemplo, causar um desequilíbrio nas populações de predadores de sementes, o que vai alterar a composição das espécies de árvores. As plantas mais comuns se tornam mais abundantes, as raras ficam ainda mais raras e a verdadeira natureza da estrutura da vegetação é modificada.
Um estudo desenvolvido em parques nacionais norte americanos, e citado pelo agrônomo Sérgio Brand Rocha, constatou que para algumas espécies, as rodovias significam barreiras intransponíveis, restando que os parques fragmentados por estradas se transformam em uma coleção de unidades agrupadas, ao invés de uma única área coesa. "Como nenhuma população isolada pode manter sua integridade genética e demográfica indefinidamente, estradas podem ser, ao longo prazo, tão devastadoras quanto a destruição direta do habitat", informa o trabalho.
Em florestas intocadas, menos de um por cento da energia luminosa chega ao solo. A radiação solar é absorvida e refletida pelas folhas, cuja densa camada funciona como uma barreira, mantendo o interior da mata relativamente fresco, úmido e sombreado, durante o dia, ao mesmo tempo em que reduz o movimento do ar e retém o calor durante a noite.
A temperatura do ar nas bordas do fragmento pode aumentar significativamente mais do que o interior da floresta. Neste caso, há mudanças na cobertura vegetal, com aparecimento de muitas trepadeiras e outras espécies secundárias. A ciclagem de nutrientes também é afetada em função do aumento da temperatura do solo com consequente efeito sobre os microorganismos e invertebrados que aí vivem. Tais mudanças afetarão a disponibilidade de alimentos para a fauna de maior porte, direta ou indiretamente, pois vai comprometer o crescimento e a fenologia das plantas.
Um dos reflexos mais óbvios da fragmentação de habitats é a ação do vento. Alteração da velocidade e na força dos ventos provoca mudanças físicas como a queda de folhas, arbustos e árvores,. Além disso aumenta a evapotranspiração, reduzindo a umidade. O aumento da velocidade do vento também afeta o carregamento de poeira e sementes (inclusive de plantas exóticas) para o interior do fragmento, além de insetos e doenças.
O regime hidrológico muda com a fragmentação, aumentando o fluxo de águas superficiais e subterrâneas, pela retirada da cobertura vegetal. Isso provoca processos erosivos e aumento de sedimentos nos cursos d’água. As populações, vegetal e animal, serão alteradas: num primeiro momento haverá aumento rápido de algumas espécies, levando à supersaturação do ambiente. Tal saturação muda as relações de competição e predação, o que vai mexer com as taxas de fecundidade, podendo levar ao colapso populacional. A disponibilidade de recursos também modifica, pois passa a haver uma excessiva exploração dos mesmos.
O efeito de borda atinge até 100 metros do interior do fragmento, demonstram pesquisas realizadas em florestas brasileiras. "Uma estrada ou qualquer tipo de tráfego ou mesmo um campo agricultado pode representar uma barreira intransponível para algumas espécies, principalmente as de menor porte", diz a ecóloga Lourdes Ferreira. A pesquisadora cita estudos realizados nos Estados Unidos da América, relatando "42 casos de extinção de espécies de mamíferos nos últimos cem anos, espécies que viviam em unidades de conservação que são consideradas ilhas (fragmentos) ecológicas. A despeito dos esforços para sua proteção, estas ilhas sofrem com perturbações de toda ordem, e teriam sido as perturbações, pela ação humana, em suas bordas, a provável causa das extinções".
As estradas, além de intensificarem o efeito de borda, facilitam a movimentação de espécies de predadores, especialmente os mais cosmopolitas. Rodovias são também disseminadores de espécies exóticas, de doenças, fogo e poluentes de toda ordem. As estradas funcionam como barreiras para a fauna, pois interferem na intensidade luminosa, velocidade do vento, temperatura, umidade, taxa de evaporação e nível de ruído.
Referindo-se especificamente à Estrada do Colono, a ecóloga diz: "No caso de uma estrada cortando o Parque ao meio, os efeitos de borda (radiação, temperatura, umidade, vento, sucessão de plantas, etc) serão irradiados para os dois lados em direção aos dois fragmentos que passaram a existir, ampliando a sua ação negativa". A perda de espécies ou redução das populações está diretamente relacionada ao tamanho da unidade de conservação e às condições ambientais do entorno. "Em termos de tamanho o PNI é razoável, mas sua longa faixa de borda e a perda total da cobertura vegetal do entorno certamente diminuem, em muito, sua efetividade. Outras formas de degradação direta, como a intensa caça indiscriminada que lá ocorre, a retirada clandestina e furtiva de espécimes nobres e do palmito, por exemplo, e a existência de estradas (com todo impacto) no seu interior só agravam a situação. Outro ponto fraco existente no Parque refere-se à sua forma, estreita na porção centro-sul, que sofre ainda mais os impactos dos efeitos de borda", diz o estudo de Lourdes Ferreira. A ecóloga condena a invasão e reabertura da Estrada do Colono:
"Se for mantida a rodovia haverá duas situações distintas de fragmentação a serem administradas e certeza de que novos cálculos terão que ser feitos sobre a menor efetividade ainda do PNI em proteger o que contém. Com mais esta fonte de degradação, os efeitos da fragmentação se instalarão na área como uma verdadeira cascata. Provavelmente, comprometendo de modo irreversível toda a porção centro-sul do PNI. Extrapolando-se os resultados obtidos para outras regiões (…) pode-se prever que os seguintes problemas estão em curso (devido ao tempo em que a Estrada do Colono já se encontra aberta) e/ou deverão se instalar na área: invasão de plantas nas bordas da mata, nos dois lados da estrada; floresta, dos dois lados da estrada, mais suscetível ao vento como recentemente ocorreu no PNI, onde o vento derrubou parte da floresta em seu interior; drenagem afetada, com mais sedimentos nos cursos d’água próximos à estrada; represamentos e poluição de cursos cortados pela estrada, o que pode ser maximizado pela topografia; instalação de outros efeitos de borda no local (ambos os lados da estrada) como aquecimento dos ambientes com o aumento da temperatura e maior amplitude térmica (ao longo do dia), dimunição da umidade, menos água no solo, dessecação dos ambientes, maior suscetibilidade ao fogo, invasão e aumento de espécies invasoras, perda de habitats, redução de populações e mais suscetibilidade à extinção. Em médio e longo prazo, ainda, efeitos genéticos deletéricos, alteração da polinização e mudança na sucessão e estrutura da mata. A estrada, ainda, provoca de imediato a poluição do ar, da água e do solo, causa atropelamento de animais, altera padrões de comportamento entre predador e presa, provoca o isolamento de animais e dissemina doenças. Em síntese, ocorre o que se demonina a falência dos ecossistemas, especialmente os mais próximos à estrada."

Floresta Ameaçada

A engenheira Florestal Sílvia Renate Ziller estudou o componente vegetação na "Avaliação Ambiental Rápida do PNI", realizada no segundo semestre de 1998. Seu trabalho começa citando que a área do parque é facilmente identificável em imagens de satélite ou fotografias aéreas por se tratar da " única mancha verde de tamanho significativo que sobreviveu ao desbravamento da região para abertura de fronteiras agropecuárias e de exploração de madeira". Antes da criação do PNI já havia ocupação humana e inúmeras fazendas eram encontradas na atual área protegida, além de serrarias que exploravam as espécies mais procuradas comercialmente, deixando a floresta fragmentada e algumas árvores ameaçadas de extinção. "Embora o Parque exista há quase 60 anos, parte dessas florestas foram exploradas no passado e encontram-se atualmente em estado de recuperação natural. Esses processos de recuperação são mais complicados quando a intervenção humana é tamanha que algumas espécies deixam de existir em certos locais, pois ficam faltando fontes de sementes", diz Sílvia Ziller.
A pesquisadora estabeleceu vários pontos de observação no interior do PNI e, na porção próxima à Estrada do Colono, no córrego do Quilômetro Oito, encontrou "uma população razoável, inclusive de indivíduos de DAP (diâmetros à altura do peito) superior a um metro, de Jacaratia spinosa, jaracatiá, espécie ameaçada de extinção no Estado". Esta espécie foi observada de forma esporádica em outros pontos, o que acrescenta considerável importância do sítio. A área "mostra grande efeito de borda e, consequentemente, de fragmentação de ambientes em função da divisão que a estrada representa para o Parque. A mesma provoca um a mudança radical nas comunidades vegetais da floresta para as margens da estrada gerando consequências de descontinuidade florestal. Estradas como o Poço Preto e do Macuco, suficientemente estreitas para permitir a continuidade do dossel, cujas copas de tocam formando um tunel sobre a estrada, têm efeito mais ameno, não caracterizando a separação de ambientes como no caso da Estrada do Colono", diz o estudo.
O engenheiro agrônomo Sérgio Brand Rocha explica, em seu trabalho "A Estrada do Colono e o PNI", as consequências desta descontinuidade para os animais:
"Muitas espécies, seja individualmente ou em grupos sociais, precisam estar aptos a se mover livremente pelo ambiente para se alimentar de recursos que se encontram amplamente dispersos. Para muitos primatas encontrar árvores com frutificação abundante pode ser crucial durante circunstâncias de escassez de frutos. A descontinuidade no dossel da floresta causada pelas estradas pode impedir estes animais de atingir árvores frutíferas próximas porque eles não são aptos ou não se sentem encorajados para descer ao solo e atravessar as estradas. E se eles o fazem, se arriscam a serem atropelados e se expõem aos predadores. Este mesmo tipo de situação pode impedir espécies animais com populações muito dispersas de encontrar parceiros para reprodução".

O Impacto nos Rios

Em relação aos danos causados nos cursos d’água, a "Avaliação Ecológica Rápida para o Diagnóstico Ambiental do PNI", editada por Roberto Antonelli Filho (1999), cita mudanças provocadas pela Estrada do Colono:
"É importante atentar para a condição verificada no rio Quilômetro Oito no ponto em que este cruza a estrada. Durante situação de chuva intensa ocorre o carreamento dos solos expostos para o estabelecimento da estrada de modo que, a poucos metros a montante o rio permaneceu como um rio de águas claras enquanto no mesmo momento o trecho a jusante toma as características descritas para os rios de águas escuras. Tal impacto em vários efeitos para o desenvolvimento da biota".
O estudo informa que, por exemplo, os insetos adaptados às águas limpas poderão sofrer graves consequências: "Os organismos podem ser afetados diretamente (alimentação e respiração) e indiretamente (redução da penetração da luz; soterramento de superfícies e interstícios do substrato). Além do que, poluentes específicos, associados com os sedimentos, podem criar problemas adicionais aqueles causados pelo material inerte".
Os exames físicos da água do Quilômetro Oito, abaixo da Estrada do Colono apresentaram valores de fósforo total e coliformes fecais, acima dos indicados para os rios de classe 1. A montante da rodovia os testes indicaram que o parâmetro de manganês estava acima do permitido, "provavelmente associado aos sedimentos em suspensão".
As análises relativas à fauna aquática, feitas neste ponto, acima da Estrada do Colono, mostraram o rio Km 8, ao lado do Poço Preto, apresentou maior número de gêneros e famílias de macroinvertebrados bentônicos. Em relação aos peixes no rio cortado pela rodovia também foi encontrado o maior número de espécies, oito. A coleta foi feita a montante e o estudo não compara dados eventualmente obtidos sobre fauna aquática a jusante da Estrada do Colono.

Aves e Animais

No estudo da avifauna dos diversos ambientes do PNI, a "Avaliação" constatou, no ponto de observação junto à Estrada do Colono, a presença de "várias espécies de aves típicas de ambientes abertos forrageando na faixa da vegetação marginal à estrada que, em situação de continuidade ambiental, teriam pouca probabilidade de serem observadas no interior de ambientes florestais, longe de sua borda". Os pesquisadores anotaram oito espécies de ambientes abertos, que podem ser consideradas colonizadoras.
Ao tratar dos animais de maior porte, o trabalho faz um alerta geral sobre as estradas "internas, externas e periféricas, em função dos atropelamentos aos quais principalmente os mamíferos estão sujeitos. Devido, principalmente, aos seus hábitos noturnos e a momentânea paralisação a que são sujeitos por causa do ofuscamento provocado pelos faróis dos veículos, sem falar na falta de controle sobre a velocidade de tráfego, verificadas em todas as estradas pesquisadas, esta classe animal torna-se bastante suscetível ao atropelamento".
O documento aponta ainda a ameaça sofrida pelos animais em função da presença constante de caçadores dentro dos limites do PNI. Segundo os técnicos, em praticamente todos os locais pesquisados foram evidenciadas atividades de caça ? diretamente, pela localização de trepeiros, vestígios de acampamentos e até uma ossada de anta abatida a tiro, ou indiretamente por picadas ou trilhas marcadas. "A fragmentação dos habitats proporcionada pela Estrada do Colono também pode ser considerado como fator de pressão exercida sobre aves florestais e mamíferos, além do que sua presença favorece a penetração de agentes agressivos, como caçadores e animais domésticos (gatos, cães e porcos)", completa.
O engenheiro Sérgio Brant Rocha, em estudo realizado em 1997, cita dados sobre mortes de animais em consequência das estradas: "linces, lobos, ursos pardos e gatos silvestres estão entre mais de 10 milhões de animais mortos a cada ano nas rodovias espanholas. No período de 1982 a 1992, pelos menos sete linces e dez lobos foram mortos nas rodovias adjacentes ao Parque Nacional de Doñana, no Sul da Espanha. Considerando que as populações destas espécies são muito reduzidas, os dados são trágicos… Na Holanda, 635 mil pássaros e 159 mil mamíferos morrem a cada ano nas estradas". Nos Estados Unidos 25.566 veados foram mortos em 1984 nas rodovias do estado de Michigan, Na Pensilvânia 26.180 veados e 90 ursos morreram em 1985.
"Das sete onças-pintadas monitoradas pelo biólogo Peter Crawshaw, do Ibama, em um período de dois anos, no PNI, duas morreram atropeladas na BR 277, no limite norte do Parque", informou Rocha. Três outras foram mortas por caçadores dentro do Parque e os sinais rastreadores das duas restantes desapareceram, embora houvesse bateria suficiente para mais um ano. "A hipótese mais provável é que também foram mortas, o que eleva a taxa de mortalidade para 100% dos animais monitorados em dois anos de trabalho. Dados fornecidos pelos Dr. Peter e que provêm de fonte confiável, indicam que de 1994 até agora foram mortas mais de 10 onças na área do Parque, o que é um dado trágico".
O mesmo trabalho fala da ocorrência de doenças, humanas ou de animais domésticos, que afetam as populações da unidades de conservação, muitas vezes levadas pelas estradas.
"No PNI foi identificada uma doença de gatos domésticos que pode Ter efeitos sérios sobre as populações silvestres de felinos do Parque. Doenças humanas, como tuberculose, a hepatite B e a gripe também atingem os animais silvestres e podem ser fatais… muitas doenças ainda são desconhecidas e mesmo aquelas já estudadas não têm rastreamento epidemiológico capaz de informar as vias de transmissão. Tal fato, associado aos casos que já se conhece, alerta para a necessidade de se evitar o trânsito em áreas protegidas. Doenças para populações isoladas podem funcionar como catástrofes , capazes de extinguir ou inviabilizar demográfica ou geneticamente populações inteiras", diz o engenheiro.
Uma tabela geral, apresentada na "Avaliação", sintetiza o quadro apontado nas diversas áreas temáticas do estudo, em relação ao ponto de observação 19, localizado junto à Estrada do Colono. O local obteve média 2 (boa) nos segmentos aves, mamíferos, insetos, peixes e água. No tocante à vegetação a média foi 3, significando regular.
A pesquisadora Sílvia Ziller conclui: "É imprescindível a manutenção da área estabelecida como zona intangível no Plano de Manejo de 1981, em função de se tratar da porção do PNI em melhor estado de conservação e, portanto, com maior potencial genético e de biodiversidade, englobando-se no termo todas as formas de vida. Pela mesma razão não cabe nesta zona intangível a manutenção de uma estrada aberta (a Estrada do Colono) de tráfego intenso, inclusive noturno, com veículos pesados, risco de contaminação por cargas perdidas, poluição atmosférica e sonora, atropelamento de animais, assoreamento de rios e todos os outros problemas já mencionados".
Durante os trabalhos de campo, os pesquisadores responsáveis pela "Avaliação" monitoraram a procedência dos veículos que transitavam pela Estrada do Colono. Além de constatarem grande presença de ônibus e caminhões, verificou-se que acima de 40% do trânsito da rodovia era representado por veículos de outros estados:
"É questionável a importância da estrada para as populações humanas locais. A balsa que promove a travessia de veículos no rio Iguaçu não atua de forma regular e não tem licença para operar, transportando inclusive ônibus e caminhões. Não há respeito aos horários teoricamente impostos, que poupariam o PIN de tráfego noturno, observando-se que a balsa opera enquanto houver movimento, independente de horário. Do mesmo modo não há controle de velocidade, tampouco obstáculos na pista que forcem a redução da mesma, estimando-se veículos a mais de 80 km/hora em dia de chuva, quando a estrada fica alagada nas partes baixas em função da total ausência de obras de drenagem".
O agrônomo Sérgio Brant considera que não adianta transformar a Estrada do Colo em uma via turística, operando apenas durante o dia e com "passagens" para os animais. "São medidas que podem reduzir alguns impactos mas só beneficiam determinadas espécies e muitas vezes se transformam em mais uma fonte de desequilíbrio", diz ele. Outro fator, na opinião do pesquisador, que não permite transigir no caso da rodovia que corta o PNI, é o desconhecimento que se tem dos ecossistemas protegidos na unidade. Pouca pesquisa foi realizada na área até hoje significando que "os prejuízos causados pela reabertura da estrada podem ser ainda mais sérios em função de condições particulares ainda não conhecidas".

Defesa da Reabertura

O trabalho "Integração Regional do Parque Nacional do Iguaçu", patrocinado pela Aipopec e publicado em abril de 1997 um mês antes da primeira invasão e reabertura da Estrado do Colono, condensa os principais argumentos dos defensores da transformação da rodovia ? Chamada por eles de Caminho do Colono ? Em uma via de destinação turística. O autor do estudo, engenheiro florestal Arnaldo Carlos Muller, começa tratando da necessidade de integração do PNI com os municípios lindeiros:
"Estas comunidades vêm apresentando notável desenvolvimento apesar de sua face morta: a da divisa com o Parque Nacional do Iguaçu. Lá está ele, colosso e aparentemente indiferente às comunidades que o envolvem.(…) Esta face morta precisa ser vitalizada, se tornar relevante para aquelas comunidades. Precisa mostrar o seu valor e seu vigor para o bem das atuais e futuras gerações. (…) O PNI não pode continuar alienado de sua geografia. Ele precisa saber, compreender e atender ? Até onde der ? Quais são as necessidades da região onde está. Em contrapartida a região envolta daquela Unidade de Conservação tem que conhecer e, em seus planos de desenvolvimento, levar em conta as particularidades especiais do Parque Nacional. Das boas relações entre o Parque e a região depende a vitalização da face morta, vale dizer, o desenvolvimento sustentado entre ambos. Para que isso ocorra, deve existir muito mais do que simplesmente respeito mútuo. É preciso vinculação efetiva e parcerias."
Depois de fazer uma caracterização geográfica da região, o relatório apresenta as "interfaces em conflito", citando as demandas da população local contra o PNI e demandas da unidade contra a região. A presença de animais silvestres que deixam a área do parque e atacam plantações ou animais domésticos nas propriedades vizinhas é a primeira demanda citada pelo Muller. Em seguida vem a inacessibilidade pois "atualmente só se conhece do PNI as Cataratas e só as conhece do ponto de vista paisagístico, faltam informaçoes científicas (…). As comunidades em torno do Parque não tem sequer a oportunidade de visitar, regulamente, a floresta: conhecer seus valores, reconhecer ao vivo madeiras-de-lei que a caracterizam (e de cujas espécies foram feitas as casas de seus pais)". Finalmente, fechamento da Estrada do Colono é apontado como "a demanda que gera maior mágoa social" na região.
O relatório aponta, como demandas do PNI contra a região, os focos de incêndio, a caça, o corte de palmito, a poluição dos rios e novamente a Estrada do Colono.
"A existência de uma mata com animais selvagens é atração suficiente para tentar os que gostam de caçar. Com divisas praticamente livres e a impossibilidade de vigiar tão extensa fronteira, somente a consciência impede, de fato, a destruição da fauna do Parque. Ouviu-se contar que os antigos caçadores tem sido inibidos pelos seus filhos, já com suficiente nível de educação ambiental, que protestam contra esta prática.(…) As indústrias de palmito da região vem sofrendo intensa fiscalização para inibir o roubo deste produto florestal no Parque. Assim, com pequena demanda, o roubo de palmito tornou-se desiteressante e já não se considera mais um problema sério, como o que existia na década de 70".
Os rios que atravessam o PNI têm suas nascentes e a maior parte do curso for a do Parque, por isso transportam solos erodidos e produtos químicos dissolvidos das áreas agrícolas e urbanas. "Dentro do Parque certamente ocorre a deposição de resíduos carreados e ataques à biota pelos agentes químicos, por exemplo, os agrotóxicos", diz Muller que cita, novamente, a Estrada do Colono: "sem dúvida, este é atualmente o elo mais forte do Parque com sua região entorno. Infelizmente este elo é mantido através da Polícia Florestal, em uma missão restritiva, ingrata e anti-social."
Depois de mencionar os principais artigos do Regulamento dos Parques Nacionais brasileiros, o estudo acrescenta:
"O PNI cumpre seu objetivo principal, que é manutenção de seus ecossistemas, bem como, ao receber nas Cataratas milhares de turistas atende quanto à recreação naquele setor. No entanto, é insuficiente no cumprimento de seus outros objetivos, os científicos, culturais e educativos, e o recretativo em outras porções de seus território.
A integração dos municípios com o Parque implicará em ajustes do Plano de Manejo deste, necessitando a redefinição das atuais zonas de Uso Intensivo e Uso Especial, e criando a Histórico-Cultural. Estes ajustes se aplicarão sobre as atuais zonas de Uso Especial e Intangível para dar início ao atendimento de setores cujos municípios lindeiros não possuem qualquer interface com o Parque, bem como denominar adequadamente a região do Caminho do Colono.
As proposições para integração dos municípios com o Parque deverão ser incluídas no novo Plano de Manejo e não poderão causar alterações ambientais significativas, como aterros, escavações, contenção de encostas ou atividades e correções, adubações ou recuperação dos solos, ainda que, ocasionalmente venham a ser autorizadas obras ou serviços que interfiram o mínimo possível com o ambiente natural.
Todas as instalações necessárias à infra-estrutura turística e recreativa do PNI resultantes desta proposta, sujeitar-se-ão a cuidadosa integração paisagística, cujos projetos hajam sido aprovados tanto pelo Poder Municipal como pelo Ibama.
A adequação paisagística de todos os projetos a serem propostos ? Inclusive os de fora da área do parque? Deverão evitar o abate e o corte de árvores adultas e/ou de espécies nativas. Os arranjos paisagísticos darão preferência à utilização de espécies das formações naturais dos ecossistemas do Parque, limitando-se ao mínimo indispensável à utlização de espécies estranhas à região.
Todos os projetos, por maior interesse que possam oferecer aos Municípios e suas comunidades, precisam passar pelo crivo do cumprimento dos objetivos, logo, do interesse maior do Parque Nacional. Este é, espeficamente, o caso das propostas de trilhas, dos mirantes, das atividades de educação ambiental e do Caminho do Colono, que valorizam e apoiam a preservação do patrimônio natural e da história da região do Parque.
Com a implantação dos novos projetos do entorno do Parque, todos aqueles que ocorrerem dentro dos limites do Parque dependerão de concessões dadas pelo Ibama e ficam condicionadas ao pagamento de condições pré-fixadas.
As atividades a serem propostas e implantadas no Parque Nacional, ainda que com recursos dos poderes municipais e da iniciativa privada, constarão no regimento interno do Parque, que particularizará situações peculiares de cada empreendimento, estabelecendo todas as possibilidades de usufruto e os limites ou restrições a ser (sic) observados" Antes de passar a um detalhamento da infra-estrutura existente no PNI e nos municípios vizinhos, do ponto de vista físico, social e da competência constitucional, o documento cita que somente 27,3% das recomendações do Plano de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu foram implantadas desde sua aprovação, em 1981. O dado é parte do Plano de Ação Emergencial do PNI, datado de 1994.
"Apesar destes detalhes gerenciais, o Parque vem sendo preservado, resultado do trabalho da Administração e Polícia Florestal da PM do Paraná, e também da boa disposição das comunidades lindeiras em apoiar o Parque, evitando invadi-lo ou saqueá-lo de suas riquezas naturais. Tão pouco há esse interesse na região lindeira, que no entanto gostaria de usufruir benefícios sociais e ambientais neste entorno. Este benefício, aliás, entra no bojo das relações Parque-vizinhança, onde ocorrem muitas trocas de influência: por um lado o Parque não está isolado e deve interagir e se integrar com as comunidades que o cercam", diz o estudo.
Os programas propostos pela Aipopec incluem sugestões para recuperação e desenvolvimento da economia (com subpropostas de desenvolvimento agro-silvo-pastorial, agro-industrial, adequação da malha viária e ciência e tecnologia); restaurauração ambiental (com saneamento básico, conservação de solos, abastecedores comunitários, resíduos rurais e desperdício, reflorestamento ciliar, recomposição paisagística e corredores de migração faunística); as propostas de incremento turístico têm como ítens: ecoturismo, turismo rural,, turismo cultural (educação ambiental, ciência e tecnologia, esporte a atividades físicas, valores históricos e religiosos); lazer e recreação.
O Caminho do Colono mereceu um capítulo à parte, ocupando 22, das 101 páginas do trabalho. Começa falando das motivações do fechamento da Estrada do Colono, em 1986, quando o governo estadual executava obras de pavimentação no percurso.
"Aquele projeto rodoviário feria os conceitos e objetivos do PNI e traria danos ambientais, uma vez que estavam previstas cargas de grande porte e maior velocidade dos veículos. Para isso o trecho teria que ser retificado: diminuídos os aclives, ampliadas as curvas e implantados acostamentos. Assim, podemos compreender as reações ambientalistas. Mas as medidas judiciais promoveram não só a interdição das obras rodoviárias exageradas, mas também o tráfego regional, mantendo-se apenas para a fiscalização do Parque".
Ao relatar a história da estrada, o documento cita sua utilização pela Coluna Prestes, em 1924, e o fato de que, posteriormente, serviu às levas colonizadoras do Território do Iguaçu.
"Sua importância para todo Oeste paranaense, a par de seu sentido econômico tem um valor histórico e cultural inestimável. O crescimento acelerado de toda a região e sem outras vias nas proximidades, fez convergir para o Caminho do Colono todo o movimento de cargas e passageiros que convergia do Sul. Entre passageiros e cargas havia todo tipo de destinação, quer novas famílias sulinas deslocando-se para as fronteiras agrícolas que se abriam em Mato Grosso ou Rondônia, quer famílias frequentando os seus, residentes em um ou outro lado do Parque Nacional. Os percursos, portanto, tanto eram de poucos a centenas de quilômetros. Ambas as funções sociais e econômicas, de interesses comerciais e comunitários vinham sendo exercidas ao longo deste Caminho. Só não havia naquela época, temos que reconhecer, interesses favorecendo o Parque. E o Parque nunca pode dedicar-se a esses usuários", diz o relatório.
A Estrado do Colono é descrita como tendo 16,70 km com 12 metros de largura, poucas curvas e alguns declives acentuados. O trecho atravessa dois riachos maiores (Capoeirinha e Quilômetro Oito), ambos com nascentes e foz no Parque. Antes de 1986 o piso era primário, ensaibrado nos declives mais acentuados para evitar problemas na época de chuvas. O solo argiloso e firme possibilitava tráfego constante, apesar da poeira nos período de seca, cita Muller.
"O Caminho atravessa o Parque subindo desde o rio Iguaçu até a borda de maior altitude, em Serranópolis. O percurso parece ser ecologicamente conveniente, por ser paralelo ao das sucessões de ecossistemas, que se admite propagar dos rios para as cotas mais altas do terreno. Não há, de acordo com as cartas edáficas, mudanças dos tipos de solos ao longo do percurso, salvo na chegada do rio Iguaçu, onde tem aluviões fluviais. Como a vegetação e o substrato são relativamente homogêneos deve se esperar que a vida animal também seja comum à do restante do Parque, mas isso deve ser melhor estudado", diz o relatório.
Embora considere que, do ponto de vista físico e ambiental, a estrada não apresenta surpresa, o relatório da Aipopec sustenta que no aspecto sócio-econômico o mesmo não acontece: o fechamento da rodovia "produziu forte queda no crescimento econômico regional, ainda não totalmente recuperada". A moblização popular em torno da reabertura do trecho, apontada como um fato histórico na região, é assim explicada:
"Há ainda outros aspectos sociais, como os familiares, onde dezenas de famílias viram-se repentinamente isoladas de seus filhos, irmãos, pais, que vivem do outro lado do Parque e, tão importante como estes, os amigos de longa data com quem negociavam, compartilhavam seus interesses, comungavam suas alegrias e problemas e comemoravam suas festas regionais, com música própria, danças, chimarrão e um bom churrasco. As distâncias impostas com a interdição, atingiu (sic) fortemente todo este convívio social, consolidado, por dificuldades dos pioneiros e por laços regionalistas de grande valor comunitário".
A seguir, o documento passa a apontar uma série de medidas para garantir o aproveitamento turístico, ecológico e social da rodovia, comparando-a à Estrada da Graciosa, que atravessa a Serra do Mar nas proximidades de Curitiba.
"O novo projeto implantará medidas previstas nos regulamentos do Parque e a Estrada será mais um instrumento de valorização daquela unidade de conservação e de proteção de seus recursos naturais. Dentro os aspectos que levarão a estes resultados cita-se:
x) Os acessos ao Caminho do Colono serão controlados: em Serranópolis do Iguaçu serão construídos um Portal, um Centro de Visitantes e, em ambas as extremidades do caminho, guaritas de vigilância para os guarda-parques. O Portal terá como objetivo tanto anunciar o início do Caminho como restringir fisicamente o acesso de veículos com dimensões inconvenientes (carretas ,etc). Nas guaritas serão feitas as cobranças de pedágio ou taxas de ingresso, havendo ali salas destinadas aos guarda-parques, abrigos para as viaturas disponíveis para atender chamados e de onde se fará o controle das chamadas dos pontos telefônicos do Caminho do Colono. Ali também haverá instalações sanitárias de uso público.
y) A linha será mantida em seu trajeto original: a manutenção do traçado vai preservar a integridade florestal do Parque e será uma amostra das dificuldades experimentadas pelos pioneiros em suas travessias, Porém deverá ser pavimentada, usando revestimentos poliédrico irregular de basalto. (…) Também serão executadas obras de arte para evitar a estagnação da água, que deve ser escoada para canaletas laterais adequadamente dimensionadas sem que ali surjam focos de erosão. A complementação paisagística será feita com espécies nativas do Parque, obtidas fora deste.
z) O Caminho terá dispositivos que previnam contra condições de tráfego que possam causar danos à fauna, tais como: inexistência de faixa de domínio ou áreas marginais sem florestas nativa, limitação da faixa de acostamento sucessivamente de um e outro lado da estrada ou mesmo sua supressão, em locais onde a vegetação pioneira for mais exuberante, proibição da circulação de veículos após e pôr-de-sol e antes da aurora, proibição do uso de buzinas ou o trânsito de veículos com problemas de escapamento e, ainda, os locais identificados como de passagem de animais terão dispositivos adicionais da redução de velocidade.
aa) O Caminho será integrado harmoniosamente à paisagem do Parque: à parte de seu valor cultural, suas obras de arte deverão evidenciar os costumes antigos da utilização de matéria prima local, ao mesmo tempo em que se identifica com as obras existentes na sede do Parque: o estilo arquitetônico, calçamentos, pontes, a proteção lateral (meio-fio) de pedras rejuntadas, que têm uma beleza nostálgica em si e perfeita integração com a Natureza.
bb) O Caminho do Colono voltará a apoiar a fiscalização: a estrada, desde que foi criado o Parque, foi muito usada no patrulhamento do interior do Parque e o próprio Plano de Manejo previu sua manutenção com esta finalidade. A reativação devolve esta possibilidade. Além deste benefício à administração do Parque, estão previstos outros sistemas para proteção eficiente contra riscos ao patrimônio natural, tais como os citados postos telefônicos e fiscalização através de patrulhas volantes. Uma cerca de arame farpado disfarçada na vegetação espinhosa nativa (que ali será adensada), evitará que algum visitante incauto adentre na mata. Esta será instalada de tal maneira que dificulte aquelas tentativas, mas não impeça a passagem dos animais silvestres.
cc) O Caminho do Colono contribuirá para a educação ambiental: serão criados programas de EA especiais e atraentes para uma nova classe de usuários do Parque, os transeuntes do Caminho do Colono. Estes serão próprios para os vários níveis culturais e os temas serão centralizados tanto na história como nos aspectos florestais familiares aos agricultores e madeireiros . Este programa estará baseado no Centro de Visitantes, onde serão dadas instruções sobre o Parque, uso das trilhas interpretativas e distribuídos materiais sobre o Parque e seu Caminho do Colono.
dd) O Caminho do Colono será mais um recurso recreativo do Parque: A recreação e a Educação Ambiental andam juntas. Um recanto apropriado nas proximidades do rio Quilômetro Oito receberá instalações de apoio à recreação educativas: curtos passeios, trilhas interpretativas e local para descanso, com sanitários e pequeno quiosque para venda de conveniências e distribuição de material educativo sobre o Parque,
ee) Instrumento de valorização cultural: preservar valores culturais é um dos objetivos dos Parque Nacionais. Nomear este antigo caminho como Estrada do Colono foi uma homenagem à persistência dos desbravadores do Oeste paranaense. É também uma memória evocativa, conquanto as gerações de desbravadores ainda estão entre nós. Este fator cultural e sentimental precisa ser valorizado. (…)
ff) O Caminho do Colono incentivará a ciência: As pesquisas devem ser sobre a influência da estrada sobre a florestas e vice-versa, até para melhorar o resultado das relações desse caminho com o Parque. Como exige o Regulamento dos Parques, os pesquisadores deverão obter apoio e licença do Parque para os trabalhos. Com o material produzido serão elaborados os folhetos para uso na Educação Ambiental.
gg) Uma nova fonte de recursos: um adequado valor do ingresso/pedágio estará garantida a manutenção do Caminho e dos diversos programas e, certamente, não será tão elevado a ponto de desestimular seus usuários. Do ponto de vista gerencial, as instalações do Caminho do Colono devem exigir o mínimo de manutenção como, alías, regem os princípios do desenvolvimento sustentado. Serão mínimas as podas de vegetação, a desobstrução de canaletas e bueiros, de varrições e pinturas. Os equipamentos recreativos e de Educação Ambiental deverão ter longa durabilidade, Assim, apesar do custo pouco mais elevado na implantação, sua amortização, ao longo de bom tempo de uso, será plenamente compensado".
O texto do engenheiro florestal Arnaldo Muller cita que o Plano de Manejo do PNI, elaborado em 1981, encontrou três usos conflitantes na unidade: o Hotel das Cataratas, a Rodovia das Cataratas, e a Estrada do Colono. Em relação à estrada o Plano se referiu aos aspectos nocivos do acesso, uso descontrolado e de suas más condições naquela época.
"Mesmo assim, não recomendou seu fechamento, mas o redirecionamento de seus uso para um dos objetivos do Parque, sua proteção. Concluiu-se deste fato que não é a existência de uma estrada o problema, mas o uso que se faz dela. E ao definir as Zonas do Parque incluiu a Estrada do colono na Zona de Uso Especial, a mesma que margeia a BR 277. A propósito, o caçador e o palmiteiro (…) não precisam usar qualquer estrada para entrar no Parque pois todas as divisas são desguarnecidas conta estas entradas furtivas".
A seguir, o relatório reconhece o impacto ambiental da reabertura da estrada demonstrando, inclusive com fotografias, que a situação do trecho na época em que o estudo foi desenvolvido era de uma fase inicial de sucessão ecológica, com a lenta regeneração da mata. Com o aproveitamento do mesmo traçado anterior, diz Muller, "os impactos serão menos significativos que os que surgiriam se fosse uma nova estrada". Os danos admitidos no estudo são: remoção da vegetação ao longo da trilha, perturbações na vegetação contígua à estrada; pequenas alterações nos sistemas hidrográficos atingidos pelo movimento das obras; efeitos temporários nas áreas de depósito de material construtivo; impactos das obras civis nos extremos do Caminho: ancoradouros, estacionamentos, centro de visitantes, portais, etc; perturbação à migração de grandes animais selvagens e à vida animal pelo ruído dos veículos; risco de caça e saque (roubo) de palmito e outras plantas e produtos; danos resultantes da velocidade; atropelamento de animais, acidentes; poluição gasosa, risco de focos de incêndios e lançamento de detritos; risco de focos de erosão a partir da galerias e valas fluviais; danos devido ao trânsito de veículos pesados em pista não preparada; efeitos da regeneração florestal no sombreamento da pista rodante e pelos raízes, sob a pista.
O documento aponta soluções para estes diversos aspectos no sentido de minimizar as perturbações ambientais. Em relação à retirada da vegetação ao longo da trilha diz, por exemplo, que "esta retirada pode ser origem de novos impactos: seu abandono ocasionará alterações ambientais e paisagísticas; sua queima, no local, formará um foco de poluição e, portanto, este material deverá ser retirado para fora do Parque" e Ter aproveitamento orgânico. "No caso este impacto não é de grande repercussão, uma vez que ali já existiu uma pista e o solo se encontra compactado, dificultando o enraizamento da vegetação. Mesmo assim, a vegetação ali existente é chamada, em termos ecológicos, de pioneira, e é comum e frequente em qualquer área de regeneração da região". Ao tratar da possibilidade de disseminação do doenças através da estrada, o relatório faz um paralelo com as infecções hospitalares, citando que os enfermeiros, com resistência física, tratam os doentes e não de contaminam. "Mesma coisa acontece no PNI. A pujança da natureza, a fertilidade do solo as condições de umidade e a riqueza da biodiversidade fortalece sobremaneira a região do Parque, dificultando a introdução das mais aguerridas espécies pioneiras". Muller cita como exemplo os capins colonião e estrela africana, usados nas pastagens de propriedades vizinhas e que são eliminados pela predominância das essências nativas na área protegida.
"As alterações dos solos pelo Caminho do Colono não podem ser consideradas como barreira ecológica de qualquer espécie", sentencia o relatório, depois de afirmar que o trecho é dominado por solos de terra roxa estruturada e latossolo roxo. Suas características são de profundidade e textura argilosa, mas há mudança de umidade depois de compactato pelo tráfego. "Não obstante, o efeito é localizado e não significante no que se refere aos aquíferos subterrâneos, ali situados a grande profundidade".
No caso da construção da pista pavimentada, o trabalho reconhece os efeitos poluentes temporários dos depósitos de material da obra, prevendo que a camada de solo fértil superficial precisa ser retirada e reservada para utilização posterior. Haverá necessidade de uma base diferenciada, porque a pista será sombreada e de grande umidade. "Esta preparação da base certamente representará um volume razoável de material e trabalhos de retiradas e reposição. Há, em seguida, o material basáltico a ser usado na pavimentação, também, em princípio, não poluente, mas cujo volume pode exercer efeitos físicos ambientais", admite o estudo.
As obras, no interior do Parque, deverão ser restritas ao essencial, diz o texto, acrescentando cuidados que devem ser tomados, inclusive, com as construções limítrofes dos estacionamentos, centro de visitantes, ancoradouros, etc: raspagem da terra fértil para posterior uso, drenagem e dissipação de águas fluviais, retirada de todo material residual usado na construção e até "a existência de latrinas de campanha para os operários, evitando-se a poluição das matas em redor das obras".
Ao tratar da perturbação à migração de grandes animais selvagens pela existência da Estrada do Colono o documento da Aipopec diz que nunca foram feitos estudos científicos para determinar quais espécies teriam seus movimentos migratórios na região cortada pela rodovia. E cita o exemplo da Estrada das Cataratas, com uma pista de alta velocidade, faixa de domínio aparada, tráfego intenso, inclusive noturno.. "Não se tem notícia de que aquela estrada seja barreira ecológica intransponível ou até mesmo agente de redução populacional significativo por atropelamento", afirma o texto, acrescentando que o próprio fato de haver atropelamentos é um indício de que os animais atravessam a pista.
"Uma estrada somente se constitui em barreira ecológica quando as condições de tráfego são extremamente intensas, isso ainda aliado de outras condições que alterem profundamente o meio, por exemplo com iluminação noturna. Não é o caso pretendido para o Caminho do Colono, onde se propugnam condições especiais de tráfego e elementos construtivos que beneficiam a vida selvagem.(…). Ao longo dos 16,7 km, onde qualquer animal preferir, poderá cruzá-la. A pavimentação poliédrica de bazalto permitirá reduzir mais as atuais aberturas laterais, até estão necessárias para secar o leito natural da estrada. Com isso a Estrada não constituir-se-á obstáculo significativo à fauna.
A propósito, ao longo das bordas dos ecossistemas forma-se uma comunidade biológica diferenciada, frequentemente composto com espécies dos dois ambientes, chamada ecotono (…) Na interface floresta ? Caminho do Colono ainda persiste o ecotono, parecido com o que existe ao longo das divisas do Parque e nas bordas naturais da Estrada das Cataratas. Sua presença é desejável: sendo mata mais fechada, formada com espécies pioneiras, inibe a entrada eventual de pessoas ao seu interior, mas de forma alguma impede um animal de sair da floresta: afinal este é o seu lar e os ecotonos não lhe são estranhos. Os ecotonos, como meio de defesa da Natureza contribuem para reduzir os impactos externos para o interior do ecossistema", diz o relatório.
A ação de palmiteiros e caçadores será inibida, segundo a proposta do Caminho do Colono, pela Educação Ambiental e pelas dificuldades de estacionamento sem controle no interior do Parque, além do controle nas entradas. "Quem parar no interior, deverá se comunicar com a vigilância pelo telefone mais próximo", informa o estudo, que não especifica quantos ou em que locais seriam instalados estes telefones, nem menciona as obras necessárias ao serviço.
"Os efeitos da poluição sonora, gasosa e lumínica, os eventuais acidentes com cargas perigosas, bem como os atropelamentos de animais ao longo da pista, são riscos que devem ser prevenidos com medidas físicas e administrativas competentes: o Caminho do Colono, ainda que pertencendo à PR 495, deve ser diferenciado dos demais trechos do percurso, por exemplo, pelo tipo de pavimento, por normas e controles de acessos e fiscalização efetiva. Uma das condições para a reabertura é a interdição do tráfego de veículos pesados, o que será garantido tanto pela instalação do Portal em Serranópolis, cuja altura impede fisicamente o acesso de veículos com altura indesejada, quando com a operação de balsas que transportam uma tonelagem limitada às características de trânsito recomendado", diz Muller.
O risco de focos de erosão a partir da valas e galerias fluviais será anulado com cuidados para que as calhas e dissipadores sejam construídos de forma a que absorvam todo o volume precipitado. A pista, por outro lado, teria cobertura de basalto poliédrico irregular, para evitar atoleiros, uma vez que o sombreamento impedirá a secagem da mesma.
"Deverá ser adequadamente preparada, com boa base e compactação eficientes para evitar a acomodação posterior do pavimento, gerando irregularidades na pista rodante. Esta preparação evitará a penetração das raízes sob a pista, cuja presença traria origem a um tipo de irregularidade da pista, soltura das pedras de basalto e formação de poças d’água", completa a proposta.
No final, o documento "Integração Regional do Parque Nacional do Iguaçu" defende a inclusão da área da estrada numa classificação de Zona Histórico-Cultural no novo Plano de Manejo.
"O Caminho do Colono contribuirá significativamente para a educação ambiental através da experiência vivencial que permite ao visitante, constituindo-se, desta forma, em um novo ? e importante ? recurso recreativo do Parque e o único a valorizar o lado histórico cultural. A necessária remodelação do trecho será feita estritamente dentro do traçado primitivo e terá dispositivos que assegurem a segurança dos visitantes e dos recursos animais e florísticos do Parque, não gerando novos impactos em função das obras. (…) A revitalização será um empreendimento ambientalmente inédito e caracterizará indelevelmente o pensamento moderno do ambientalismo brasileiro. Toda a região vai ganhar com o novo e magnífico polo de atração. O Caminho do Colono incentivará a iniciativa privada a criar novas possibilidades de usufruto turístico e recreativo (…). Como a região ?Porque está nela incluído ? Também o Parque ganhará, inclusive financeiramente, uma vez que a taxa de acesso irá para os seus cofres, naturalmente para cobrir os custos de manutenção e seus programas educativos deste local, e certamente haverá excedente para atender outras áreas mais carentes. A revitalização do Caminho do Colono será o ponto alto da nova fase das relações entre o Parque e os Municípios lindeiros. Todas as propostas de desenvolvimento regional perceberão imediatamente um grande impulso e motivarão, incontestavelmente, múltiplas iniciativas na iniciativa privada e nos poderes públicos municipais e estadual", finaliza o estudo.

Perigo para a Biodiversidade

O conceito de "Estrada Parque" definido pela legislação brasileira dificilmente se aplica no caso da rodovia que corta o Parque Nacional do Iguaçu, na opinião das entidades ambientalistas que integram o Fórum Pró Conservação da Natureza e assinaram o documento "Reabertura da Estrada do Colono: Perigo Real e Imediato para a Biodiversidade". O alerta, elaborado por um grupo de especialistas, foi divulgado em janeiro de 98, logo depois da segunda invasão e reabertura do trecho. "Uma estrada-parque deve ter grande beleza cênica ou valor histórico, e o tráfego terá fins de lazer e será controlado mediante a capacidade de carga da área e de fiscalização", informa o estudo.
O trabalho parte de pesquisas científicas já realizadas para definir que uma unidade de conservação será tão mais eficiente para proteção da biodiversidade quanto maior for seu tamanho. Apenas uma grande área garante fluxo gênico, estabilidade de populações de predadores e diversidade de espécies, ambientes e processos ecológicos:
"As unidades de conservação têm uma área efetiva de efeito protetor inferior a sua real área, pois, em geral, são áreas isoladas, cercadas por áreas agrícolas e/ou urbanas, como é o caso do PNI. Não existem ‘áreas tampão’ e por isso as áreas do perímetro interno do próprio parque passam a cumprir o papel de área tampão: isolamento da poluição acústica, do efeito dos produtos químicos utilizados na agropecuária, do avanço do gado e das plantações que acarretam alterações na composição faunística e florística.
Não se sabe qual a área necessária para atuar como ‘filtro’ ao núcleo protegido e que, realmente, possui função em termos de proteção da biodiversidade, mas estima-se que seja necessário no mínimo 1 a 2 quilômetros para amortizar o efeito externo. Ou seja, toda área de perímetro mais externo tem a função de proteger a área núcleo do Parque, atuando como um ‘filtro’ ou ‘esponja’ de proteção. (…)
Aplicando-se este princípio, pode-se observar que o impacto de uma estrada de cerca de 18 km no Parque Nacional do Iguaçu acarreta, na realidade, uma perda de área protegida na ordem de 72 km2 (7.200 hectares), o que representa cerca de 4% da área do parque. Esta perda de área protegida, por si só, já justifica o impedimento de se estabelecer uma estrada de rodagem dentro de um Parque. Ou seja, não se trata apenas de uma estrada, e sim da perda de quase 5% do PNI. Vale ressalta que toda área de uso turístico, frequentada por cerca de 1 milhão de pessoas por ano, equivale a, aproximadamente, 5% da área total do parque. Ou seja, a estrada acarretará o mesmo grau de impacto de toda área de visitação às cachoeiras.
A área de uso turístico também gera impactos no parque, mas cumpre finalidades educativas e de lazer compatíveis com os princípios de uma unidade de conservação. Atualmente, este tipo de área é considerado "de sacrifício" para proteção da biodiversidade local. Um ônus que a proteção da biodiversidade paga para gerar benefícios às populações locais, seja pela renda ou turismo, seja pela oportunidade de lazer e atividades educativas", diz o documento.
O texto explica ainda que, em um parque, a diversidade biológica não está distribuída de forma uniforme: há áreas de maior diversidade, portanto, mais frágeis. Cada parte tem importância única e particular, sendo insubstituível no todo da unidade de conservação que pode não conter nenhum outro trecho com a mesma composição vegetal e animal. "No período em que a estrada esteve fechada houve um crescimento florestal e a recuperação do leito, o que demonstra que a estrada representou uma barreira, como um elemento externo à dinâmica local, vencida naturalmente pela recuperação da vegetação, o que permitiu a volta da comunicação entre as duas manchas florestais", informa o documento.
Além dos estragos causados pela retirada vegetal na própria pista da rodovia e seus acostamentos, os ambientalistas citam outros efeitos causados pela estrada, mesmo que a velocidade seja limitada: impactos de caráter sonoro, lixo, atropelamentos, modificação do escoamento hídrico natural ( e consequente mudança no microclima), deposição de grãos de transporte agrícola, aumento da caça e apanha de exemplares da flora. "De modo geral, só o tempo será capaz de provar se as áreas atualmente contidas em parques e reservas são suficientes para garantir a continuidade dos processos naturais e a preservação das espécies. Provavelmente haverá uma imensa perda da biodiversidade até que os impactos sobre os remanescentes florestais e áreas protegidas sejam minimizados. Isto, se houver um processo de paralisação do impacto e do avanço humano sobre os parques e reservas.
O ônus desta perda terá reflexos na economia mundial e na qualidade de vida humana, seja pela ausência de áreas de lazer, pela perda de biotecnologias, ou divisas econômicas de turismo e cultura", completa o trabalho.

ASPECTOS ECONÔMICOS

Dois estudos tratam da questão econômica envolvendo especificamente a Estrada do Colono. O primeiro, datado de maio de 1996, é assinado pelo economista Ademir Clemente, professor titular da Universidade Federal do Paraná . A pedido da Associação de Integração Comunitária Pró Estrada do Colono (Aipopec) o professor elaborou o trabalho "Prejuízos Decorrentes do Fechamento da Estrada do Colono (PR 495),? Avaliação Econômica". Na introdução do documento pode-se ler que o fechamento da Estrada, em agosto de 1986 " foi efetuado sob condições jurídicas duvidosas, não foi precedido de qualquer planejamento, não foi acompanhado de medidas dos governos estadual e federal para diminuir seus impactos negativos e vem acarretando pesados prejuízos a uma extensa região que compreende dezenas de municípios e quase um milhão de pessoas".
Os municípios afetados são descritos como essencialmente agrícolas com atividades criatórias e agropastoris. "A região é de colonização recente, realizada por imigrantes gaúchos e catarinenses, e possui forte identidade própria, o que é bem ilustrado por sua história, na qual se destacam a Guerra do Contestado e o movimento separatista do Estado do Iguaçu", diz o estudo.
Segundo o professor Clemente, uma análise da malha rodoviária regional permite perceber que não existem alternativas para o fluxo de mercadorias e pessoas, cabendo destacar "o isolamento completo em que se encontram alguns municípios em relação ao pólo regional de Foz do Iguaçu, o enorme aumento de percursos, a sobrecarga na ligação rodoviária entre Cascavel e Foz do Iguaçu como consequência do tráfego desviado".
O objetivo do relatório, explica o autor "é levantar e dimensionar os impactos de curto, médio e longo prazos decorrentes do fechamento da Estada do Colono com vistas à imediata reabertura e ao ressarcimento dos prejuízos apurados e quantificados até o momento. Com esta finalidade foram apurados dados referentes ao Valor Adicionado e à população dos municípios das Microregiões Oeste e Sudoeste no período de 1974 a 1994, analisando-se e projetando-se estas séries".
Para efeito das projeções e análises o estudo manteve inalterada divisão política da região, no período de 20 anos. Assim, não foram listados os novos municípios criados ao longo do tempo, embora seus dados estatísticos tenham sido agregados aos municípios de origem. "Com este procedimento evita-se que o surgimento de novos municípios distorçam a análise, porém ainda permanece a possibilidade de que os municípios desmembrados que não se encaixam na categoria dos municípios que lhes deram origem apresentem dinâmica econômica diferenciada e, como consequência, acarretem pequenos desvios à análise dos agregados. Esse, entretanto, não parece ser um obstáculo sério diante da magnitude dos fenômenos considerados (localização junto ao Lago de Itaipu, localização ao longo do eixo Cascavel-Foz do Iguaçu e fechamento da PR 495)" .
Reconhecendo que cada comunidade sofreu de maneira diferenciada os impactos do fechamento da Estrada, o relatório agrupou os municípios da seguinte maneira:
"1. Capamena (20 mil habitantes), município de pequeno porte, de base agrícola, localizado na extremidade sul do trecho fechado ao tráfego.
2. Medianeira (40 mil habitantes), município de porte médio, com setores industrial e comercial expressivos, localizado no eixo Cascavel, Foz do Iguaçu, na extemidade norte do trecho fechado ao tráfego.
3. Municípios localizados ao longo da rodovia PR 495, na microregião Sudoeste: Capanema, Planalto , Pérola do Oeste, Pranchita, Santo Antonio do Sudoeste, Barracão.
4. Municípios localizados ao longo da PR 495 na microregião Oeste: Medianeira, São Miguel do Iguaçu, Matelândia, Itaipulândia , Missal, Santa Helena, Entre Rios do Oeste, Pato Bragado.
5. Municípios localizados ao logo do eixo rodoviário Cascavel-Foz do Iguaçu: Cascavel, Céu Azul, Foz do Iguaçu, Matelândia, Medianeira , Santa Tereza do Oeste, Santa Terezinha de Itaipu , São Miguel do Iguaçu.
6. Municípios lindeiros (limítrofes com o lago de Itaipu): Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu, São Miguel do Iguaçu, Itaipulândia, Missal, Santa Helena, Entre Rios do Oeste, Pato Bragado, Marechal Cândido Rondon, Mercedes e Guaíra".

CÁLCULO DE PERDAS

"A evolução econômica e demográfica do município de Capanema, na extremidade sul do trecho interrompido pode ser considerada ilustrativa dos efeitos negativos provocados pela interrupção do tráfego da Estrada do Colono. Até o ano de 1995 a perda acumulada é de aproximadamente 327 milhões de Reais a preços de 1994. Esse valor corresponde à diminuição das atividades econômicas no Comércio, nos Serviços, na Agricultura e na Indústria . A população do município em 1986, de acordo com dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) atingiu 21.907 habitantes; em 1991, o Censo Demográfico apontava apenas 19.368 e a estimativa do Ipardes para 1994 era de tão somente 18.149, o que representa uma perda de quase 20% de sua população no período", diz o relatório.
Os demais municípios da microregião sudoeste localizados ao longo da PR 495, ainda segundo o estudo, apresentam comportamento semelhante. As exceções são Santo Antonio do Sudoeste e Barracão, "cujas economias não dependiam tão fortemente da Estrada do Colono, seja devido à sua posição privilegiada em relação aos fluxos de comércio com a Argentina, seja porque dispõem de outras alternativas de transporte e certamente se conectam comercialmente em outras direções". Em Barracão não foi evidenciada perda do Valor Adicionado no período, enquanto em Santo Antonio do Sudoeste o saldo é positivo.
Já nos municípios de Pérola do Oeste e Planalto as perdas são, respectivamente de 91,7 milhões de Reais e 94,8 milhões de Reais a preços de 1994. "É necessário observar que o valor global da perdas decorrentes do fechamento da Estrada do Colono é muito superior ao que se pôde apurar neste trabalho até 1995. Os dados de Valor Adicionado, que melhor representam o nível de atividade econômica, estiveram sujeitos a outras influências durante o período de análise, sendo virtualmente impossível, em alguns casos, identificar, isolar e quantificar o efeito de fechamento. Em outros termos, para alguns municípios não há como saber em que medida a ausência do efeito nas séries de Valor Adicionado são efetivas, porque as economias locais eram realmente menos dependentes da Estrada do Colono, e em que medida as perdas ocorreram e estão mascaradas pela influência de outros fatores", diz o trabalho, acrescentando: "Entretanto, sabe-se que as economias locais apresentam estreito nível de interdependência, representado pelos intensos fluxos de mercadorias e de pessoas. Então, diante de um fator exógeno como o fechamento de uma via de transporte vital para algumas dessas economias, tem-se de admitir que o efeito negativo se propague por toda uma extensa rede de interconexões a partir do epicentro constituído pelos municípios diretamente afetados".
O relatório aponta uma perda total de 2 349,0 milhões para os demais municípios da microregião sudoeste que não fazem fronteira com a Argentina e que não de localizam diretamente junto à PR 495. "Percebe-se claramente o impacto negativo ocasionado pelo fechamento da Estrada do Colono, uma vez que o valor da perdas representam mais de 41% da soma do valor adicionado observado no período (1987 a 1995)".
Nos cálculos relativos à microregião oeste o professor Clemente reconhece que há maior dificuldade em separar e quantificar os impactos da interrupção do tráfego na Estrada do Colono devido à ocorrência de outros fatores de grande importância. "Os municípios para os quais se pode com segurança utilizar a metodologia de cálculo da perda de Valor Adicionado, seja porque não são lindeiros em relação ao Lago de Itaipu, seja porque não se localizam ao longo do eixo rodoviário Cascavel-Foz do Iguaçu, apresentam uma perda conjunta de 2 771,6 milhões de Reais a preços de 1994. Esta perda representa um pouco mais de 36% do Valor Adicionado observado no período de 1987 a 1995".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pouco antes de apresentar as considerações finais do estudo, o professor Clemente publica uma tabela com dados do "valor atual das perdas de Valor Adicionado do total do estado paranaense". Na explicação dos números, ele escreve: "Tendo em vista que a metodologia utilizada aponta percentual de perda igual a 16,8% para o total do Paraná, desconta-se essa margem do total de perdas acumuladas para as MRH Sudoeste e Oeste, que atingem o montante de 5 634,2 milhões de Reais a preços de 1994. Então, considerando-se que as perdas das duas microregiões representam 41,3% do Valor Adicionado total observado no período, obtém-se fator de redução igual a 0,593, que aplicado, traz como resultado o valor líquido de perdas igual a 3 341,1 milhões de Reais a preços de 1994. Finalmente, corrigindo-se esse valor para a inflação de 1995, segundo o IGP da Fundação Getúlio Vargas, chega-se ao montante de 3 842,3 milhões de Reais a preços de 1995".
O relatório encomendado pela Aiepoc traz a seguinte conclusão: "Decorridos 10 anos desde a interrupção do tráfego na PR 495, os agentes econômicos, sociais e políticos ainda não conseguiram desenvolver e implantar alternativas que conduzam à superação dos obstáculos impostos ao desenvolvimento econômico da região. Isso constitui clara indicação de que os efeitos da interrupção do tráfego na Estrada do Colono são permanentes e de que somente serão removidos com a reabertura.
O fechamento da Estrada do Colono, atendendo apelos ambientalistas de curta visão, apresenta inegável componente de irracionalidade, pois o custo de oportunidade em que se está incorrendo é desproporcional ao conjunto de impactos sobre a fauna e sobre a flora em um cenário em que medidas mitigadoras adequadas fossem adotadas.
Além disso, o simples fechamento não contribui para a preservação dos recursos ambientais do Parque Nacional do Iguaçu, porquanto constitui medida claramente deseducadora para a população. O Parque tornou-se distante e proibido em vez de acessível e valioso, o que é comprovado pela prática contínua de assaltos aos seus recursos vegetais e animais, apesar do rigor da fiscalização e das pesadas penalidades.
A inspeção dos dados disponíveis sobre o comportamento da economia dos municípios da área de influência mostra claramente a gravidade dos efeitos negativos e permanentes acarretados pelo fechamento da Estrada do Colono.
Fatores como acesso imediato ao Eixo Rodoviário Cascavel-Foz do Iguaçu e as rendas geradas pela reparação das áreas alagadas pela Usina de Itaipu impedem, diante da configuração géo-política da MRH Oeste, que se possa mensurar isoladamente o efeito do fechamento da Estrada para alguns municípios que certamente sofreram fortes impactos negativos. Entretanto, a considerar a natureza da impacto observado na MRH Sudoeste, pode-se afirmar que foi pelo menos de mesma magnitude na MRH Oeste.
O municípios de Capanema, foco principal da crise, apresentou valor presente da perda em torno de 300 milhões de Reais, quase o dobro do Valor Adicionado total observado no período analisado. A perda de população e a depressão econômica, nesse caso, são perfeitamente visíveis e reduzem a economia local à completa falta de perspectivas.
As perdas totais, corrigidas para o movimento recessivo da economia paranaense como um todo no período, atingem o montante de 3 842,3 milhões de Reais a preços de 1995".

CRÍTICAS DA METODOLOGIA

Em maio de 1999 o Fórum Pró Conservação da Natureza divulgou em Curitiba o estudo "Prejuízos Decorrentes do Fechamento da Estrada do Colono: Mitos e Manipulações", elaborado por um grupo de especialistas com a participação do professor Claus Germer, ex-secretário da Agricultura do Paraná e professor titular da cadeira de Economia Política do Curso de Economia da Universidade Federal do Paraná. O trabalho cita os R$ 5,6 bilhões, a preços de 1994, apontados pelo relatório da Aiepopec como perdas estimadas para os municípios das regiões Oeste e Sudoeste em consequência do fechamento da Estrada do Colono : "Esse valor tem sido usado para justificar a série de ilegalidades cometidas contra o patrimônio público desde maio de 1996, quando o Parque Nacional do Iguaçu foi invadido para a abertura da estrada com ampla derrubada de árvores ao longo de aproximadamente 18 quilômetros e a precipitação de um processo de degradação das faixas marginais à estrada, crescente em extensão e intensidade", diz o estudo apresentado pelos ambientalistas, que faz uma análise técnica do relatório datado de 1995.
A seguir estão transcritos os trechos principais do documento:

I. INTRODUÇÃO

A. Contexto estadual
1. O estado do Paraná apresenta um quadro de forte concentração de valor adicionado (Quadro 1). Apenas 14 municípios do estado têm participação superior a 1% no total do valor adicionado do estado, somando 60,25% desse valor. A maioria deles integra a mesorregião metropolitana e não tem a atividade primária como principal.
No período 75/96, a maioria das mesorregiões do Paraná apresentou desempenho decrescente no valor adicionado total (Quadro 2): a participação no valor adicionado total, na mesorregião Noroeste Paranaense, decresceu relativamente de 11,21% para 3,80%; na Centro-ocidental Paranaense, de 4.9% para 2,7%; na Norte Central Paranaense, de 25,71% para 14,74%; na Norte Pioneiro Paranaense, de 7.2% para 3,4%; na Centro Oriental, de 7,5% para 6,8% e na Sudoeste Paranaense, de 3,9% para 3,5%. Nesse contexto, é importante notar que a posição relativa do valor adicionado da agricultura registra perdas progressivas (Quadro 3) O valor adicionado cresceu em termos relativos nas mesorregiões mais próximas à Curitiba e, notadamente, na Metropolitana de Curitiba, que passou de uma participação de 19,94% para 42,33%, definindo um quadro de concentração.
Nos demais municípios, o comportamento da agricultura influi decisivamente nas condições econômicas, como se pode verificar numa rápida cronologia da década de 80:
- 1980: a recessão não atingiu de forma intensa o Paraná pelo bom comportamento da agropecuária;
- 1984: recuperação da economia não se refletiu no Paraná, pelo comportamento negativo da produção agropecuária;
- 1986: apesar dos reflexos positivos do Plano de Estabilização, a economia do Paraná se manteve estagnada face à quebra da produção agropecuária associada à estiagem de fins de 1985 e início de 1986;
- 1987: a retração teve menor intensidade devido ao excelente desempenho da agropecuária;.
- 1988, o PIB do Paraná decresceu e o setor agropecuário teve queda de 9,7%;
- 1989, a economia cresceu 4,4 em função do bom desempenho da cultura do café e do setor industrial e comercial a ela vinculada. 
B. Contexto regional
O Parque Nacional do Iguaçu limita-se com a MRH Extremo Oeste Paranaense ao norte e MRH Sudoeste Paranaense, ao sul. São regiões fisiográficas distintas e com características sócio-econômicas também distintas. Na produção agrícola, enquanto no oeste predomina o cultivo e milho e soja, culturas extensivas e mecanizadas, com alto uso de tecnologia, no sudoeste destaca-se a produção de feijão, característica de pequenas propriedades, com baixo insumo tecnológico.
Em termos de valor adicionado total, a mesorregião Oeste Paranaense participava com 12,97% em 1975, crescendo para 14,68%, em 1996. A mesorregião Sudoeste participava com 3,9% e praticamente manteve-se nesse patamar, chegando em 1996, com 3,5%.
Como o documento "Prejuízos..." isola, para fins de análise, a região Sudoeste, é importante considerar mais detalhadamente suas características. 
C. MRH Sudoeste Paranaense A MRH Sudoeste Paranaense tem 11.587 km2. É formada por 27 municípios que tinham, em conjunto, em 1996, uma população de 540.178 habitantes, representando 5,25% da população paranaense. O grau de urbanização é um dos mais baixos do estado e, atualmente, 70,26% de seus município são do tipo rural de pequena dimensão.
Os centros principais são Pato Branco, por oferecer uma gama de funções mais especializadas, com uma unidade regional do Centro Federal de Educação Tecnológica e Laboratório Central de Pesquisa e Desenvolvimento, em parceria entre Copel e UFPR; Francisco Beltrão, com atividades comerciais e de serviços mais voltadas para a base produtiva regional. Além destes, Dois Vizinhos,se destacam função da presença de uma unidade da Sadia. Nenhum desses municípios está entre os mais fortes na rede urbana do estado e seu centro de referência principal é Curitiba. Existe ainda um comércio significativo com a região Oeste catarinense, tendo Pato Branco como polo principal em território paranaense.
Do ponto de vista da dinâmica populacional, a região apresentou um dos menores crescimentos do estado. Mais de 75% de seus municípios vêm registrando perdas populacionais nos últimos anos, num quadro de evasão que tende a se intensificar. A taxa de crescimento da população rural é de - 2.94% para a região e todos os municípios da região apresentam crescimento da população rural a taxas menores que zero. Alguns municípios já começam a apresentar leve decréscimo de crescimento da população urbana entre 1991 e 1996. Os centros Pato Branco e Francisco Beltrão, com crescimento urbano de 2,86%a.a e 2,64% a.a, respectivamente, são os únicos da região com crescimento da população total superior ao da média paranaense, desde 1970.
A mesorregião tem um perfil econômico especializado numa produção agropecuária de numerosos pequenos e médios produtores diversificados e com utilização intensiva de mão-de-obra do tipo familiar (Quadros 4 e 5). Produz com grande desvantagem comparativamente a outras regiões do estado, já que seu relevo é mais acidentado e seu clima mais frio. No que se refere à atividade industrial, tem uma das menores participações na indústria de transformação, 1,45% do valor adicionado fiscal em 1996. Compreende dois segmentos: o primeiro insere esta mesorregião como parte do polo agroindustrial do oeste de Santa Catarina, onde atuam algumas da principais empresas do setor, através do município de Pato Branco. O segundo segmento é formado por unidades de pequeno porte tendo nas cooperativas uma participação importante. Os demais segmentos atuam em atividades similares, como pequenos frigoríficos, laticínios, moinhos de milho, concentrados e rações, distribuídos entre vários municípios, mas a maior parte em Francisco Beltrão e Dois Vizinhos, únicos municípios da região que integram o conjunto do estado com maior participação no gênero alimentos, 1,46% e 2,43%, respectivamente.
Na estrutura ocupacional, o setor primário responde por mais de 50% da ocupação em quase todos os municípios. Apenas em Pato Branco o primário não é dominante.
Com relação à renda, a proporção de 60,74% de chefes de domicílios com rendimento de até 2 salários mínimos posiciona o Sudoeste Paranaense entre as quatro mesorregião do Paraná com piores indicadores nesse ítem. O índice de alfabetização é um dos mais baixos do estado, com 15.01% de adultos não alfabetizados.
No saneamento básico, todos os indicadores são inferiores à média do Paraná:82,48 de domicílios ligados à rede de água; 30,89% servidos por esgotamento sanitário e 73,52% com coleta de lixo.
A configuração da rede urbana caracteriza-se por:
- consolidação dos polos regionais Pato Branco e Francisco Beltrão e de alguns centros regionais como Dois Vizinhos e Ampere;
- formação de anéis de elevado crescimento da população urbana em municípios contíguos a Francisco Beltrão (Renascença, Marmeleiro, Salgado Filho e Nova Esperança do Sudoeste) e Pato Branco (Vitorino e Mariópolis)
- influência das áreas fronteiriças no crescimento de municípios como Planalto, Santo Antonio do Sudoeste, Pranchita e Barracão - expressivo crescimento urbano em municípios com assentamentos de trabalhadores rurais como Salgado Filho, Renascença e Marmeleiro
- incipiente esvaziamento de núcleos urbanos como Chopinzinho e Eneas Marques.
Considerando-se, portanto, essas características, o Sudoeste Paranaense confirma-se como região em esvaziamento, com baixa possibilidade de retenção da população.

D. Município de Capanema

O município de Capanema foi criado em 1951. Segundo o Censo de 1991, a população é de 17.329 habitantes. Tem 415 km2 de extensão e dista 604 quilômetros de Curitiba. É o maior produtor de feijão do estado, respondendo por 25% da produção regional e 5% da produção estadual, com os melhores índices de produtividade do estado. O feijão é cultura muito sensível à estiagem, o que torna as finanças do município particularmente vulneráveis. Em 1987, por exemplo. em conseqüência de uma seca prolongada, a produção de feijão de Capanema registrou perdas de mais de 30% e a produtividade caiu para 500 kg/hectare, inferior à média estadual daquele ano.

II. ANÁLISE DO DOCUMENTO

A. Objetivos
O objetivo declarado do estudo "Prejuízos Decorrentes do Fechamento da Estrada do Colono (PR-495)" é "levantar e dimensionar os impactos de curto, médio e longo prazos decorrentes do fechamento da PR-495" (1), mas não especifica quais os impactos que pretende levantar e dimensionar. O relatório apresenta cálculos com base exclusivamente em dados do VA total por município. Portanto, o impacto analisado é unicamente sobre o VA total municipal.
Além disso, o relatório não faz separação dos impactos de curto, médio e longo prazo, como declara inicialmente, nem utiliza dados da evolução da população e do VA setorial por município, e cálculos de evolução do VA per capita, que poderiam conduzir a conclusões mais consistentes. 
B. Metodologia
O capítulo sobre metodologia está incompleto. O único elemento metodológico que o relatório apresenta é um agrupamento dos municípios das MRHs Oeste e Sudoeste (2) "procurando levar em conta a situação diferenciada dos municípios no que diz respeito aos impactos da interrupção do tráfego na Estrada do Colono".
Os elementos mais relevantes da metodologia, no entanto, não foram explicitados, o que dificulta o entendimento e avaliação das conclusões. A metodologia do estudo deveria mostrar o método com o qual se iria avaliar o impacto econômico do fechamento da Estrada do Colono. Isto requereria inicialmente apresentar a definição de "impacto econômico" utilizada. Esta definição não foi feita, sendo necessário deduzí-la da exposição. Como já foi dito, o estudo utilizou apenas a variação do VA total por município. A análise realizada relaciona toda a variação do VA dos municípios com a Estrada do Colono, o que significa que se atribuiu parte significativa - mas não justificada - do crescimento do VA de alguns municípios ao funcionamento da estrada antes de 1986, e toda a diminuição após esta data ao fechamento da Estrada do Colono. Portanto, o estudo define o impacto econômico do evento, implicitamente, como toda a variação do VA total após o fechamento.
Há dois aspectos deste método que devem ser avaliados:
(i) a validade da atribuição de toda a variação do VA total ao fechamento da Estrada do Colono;
(ii) a validade da utilização da variação do VA total como medida do impacto econômico do fechamento da Estrada do Colono.
(i) a validade da atribuição de toda a variação do VA total ao fechamento da Estrada do Colono - atribuir toda a variação do VA total ao fechamento da Estrada do Colono é inverossímil, por dois motivos principais: em primeiro lugar, porque a utilização econômica da Estrada do Colono, antes de ser fechada, era extremamente limitada (4) e o relatório não apresenta uma única indicação sobre o grau de importância do seu uso econômico anterior, constituindo uma omissão técnica grave; em segundo lugar porque, como se mostrará adiante, o VA depende de inúmeros fatores, não podendo ser reduzido a um única via de transporte, mesmo que toda a malha viária do município se reduzisse a ela, o que não ocorre neste caso. 
(ii) a validade da utilização da variação do VA total como medida do impacto econômico do fechamento da Estrada do Colono - mesmo que se aceitasse, para efeito de raciocínio, a utilização da variação do VA total como medida do impacto econômico do fechamento da Estrada do Colono, isto não poderia ser feito sem decompô-lo em seus componentes significativos. O VA total não é uma variável simples, não podendo a sua variação ser relacionada simplesmente a uma via de transporte, embora estas sejam essenciais para o comércio entre os pontos de produção e consumo. O próprio relatório apresenta, no Anexo, um elemento da sua complexidade, que é a decomposição do VA total em VA-AGR. VA-IND E VA-COM. Isto significa que o VA total é formado pelas contribuições da agricultura, da indústria e do comércio (na realidade o comércio é só uma parte do terceiro setor). Sobre isto, cabem as seguintes considerações: 
1. o VA é produzido por trabalhadores. Dividindo o VA total de um ano pelo número dos trabalhadores que o produziram, obtem-se uma medida do VA por trabalhador. O VA total dividido pela população total fornece o VA per capita. Portanto, supondo que os valores do VA per capita e por trabalhador permaneçam constantes, o VA total pode variar de um ano a outro somente como efeito da variação da população. Disto se conclui que o VA pode aumentar ou diminuir, ou ficar inalterado, como resultado de diferentes combinações possíveis da variação do número de trabalhadores e do VA per capita. O mesmo raciocínio aplica-se aos setores em que o VA total venha a ser dividido, podendo estas variáveis oscilarem em sentidos e intensidades muito diferentes em cada setor.
O VA per capita, por sua vez, depende de pelo menos dois fatores: a produtividade física do trabalho e os preços dos insumos e dos produtos. Se a produtividade do trabalho aumentar, com preços constantes, o VA total pode aumentar sem que o número de trabalhadores aumente, ou pode mesmo aumentar apesar da diminuição do número de trabalhadores. A mecanização da agricultura tem mostrado isto abundantemente no Paraná. O contrário também pode ocorrer: o VA total pode diminuir, mesmo que a produtividade do trabalho aumente, caso o número de trabalhadores diminua mais do que o aumento da produtividade. 
2. Em quase todos os municípios do Sudoeste (e na maioria dos municípios predominantemente agrícolas do PR) a população total vem caindo desde os anos 70 (5). Pode-se supor que o número de trabalhadores ativos diminui correspondentemente. Portanto, se o VA per capita tivesse permanecido constante nos municípios analisados, o VA total por município deveria cair apenas devido à diminuição do número dos trabalhadores. Os cálculos do estudo sobre as supostas "perdas" deveriam ser baseados no VA per capita e não no VA total.
3. Além destes fatores, o VA total também depende do volume físico da produção e dos preços dos insumos e das mercadorias e serviços produzidos. Assim sendo, o VA pode variar em diferentes sentidos, como consequência de diferentes combinações nas variações da produção e dos preços. Por exemplo, se o volume físico da produção e o seu custo permanecerem inalterados, o VA total pode cair se os preços de venda caírem, como todos os agricultores do Paraná sabem. No caso da agricultura, acrescenta-se o fato de que quebras de safra relevantes podem causar quedas significativas de VA agrícola, que podem estender-se aos outros setores via uma resultante redução da demanda agregada municipal (6).
Considerando a importância da agricultura na formação do VA total dos municípios da região Sudoeste 9, e as acentuadas flutuações de safra ocorridas no final dos anos 80, seria indispensável que o relatório dissesse algo a respeito da evolução da produção e dos preços agrícolas, e dos outros setores, antes e depois de 1986.
A importância decisiva das acentuadas flutuações de safra sobre o VA total, pode ser ilustrada pela observação dos dados dos municípios apresentados no Anexo do relatório, ao longo dos 21 anos do período 1974-94, em diferentes momentos em cada município, demonstrando que os condicionantes da produção também variam acentuadamente, de ano a ano, em municípios relativamente próximos. Os dados a seguir são do VA-AGR em R$ milhões, estando os anos entre parênteses: R$ milhões .
Assis Chateaubriand 90 (82) 140 (83) 11 (89) 44 (90) 37 (93) 74 (94)
Cap. L. Marques 20 (76) 31 (77) 17 (78) 18 (86) 8 (89) 14 (94)
Cascavel 101 (89) 68 (90) 93 (69) 118 (94)
Céu Azul 51 (85) 37 (86) 39 (89) 17 (90)
Formosa do Oeste 37 (80) 64 (81) 30 (85) 22 (86)
Esses exemplos são suficientes para mostrar a intensidade das flutuações do VA da agricultura, que decorre de causas naturais e econômicas, e repercute de modo relevante no VA total dos municípios essencialmente agrícolas.
Deve-se ainda observar o padrão visual de longo prazo do VA total nos gráficos por município: em Barracão e Planalto há uma tendência de declínio perceptível visualmente; em Capanema e Pérola do Oeste esta mesma tendência, embora menos evidente, é perceptível, ocorrendo uma queda maior, no período visado pelo estudo, após um pico em 86 em Capanema, e em 85 em Pérola do Oeste. Também deve-se observar que, na maioria dos municípios, o VA total segue uma trajetória nitidamente paralela ao VA-AGR. Nos municípios do Sudoeste 9, apenas em Barracão a variação dos VA dos outros setores revelam-se importantes. Em nenhum dos casos pode-se dizer que o fechamento da Estrada do Colono tenha sido decisivo na determinação destas trajetórias, cada uma das quais deve-se a uma combinação de fatores gerais e específicos, como se está procurando demonstrar.
4. Outros fatores de caráter genérico deveriam ser introduzidos. Seria necessário, por exemplo, considerar as mudanças nos mercados que cada município atende, pois a produção do município pode ser prejudicada por concorrentes mais eficientes, ou beneficiada por concorrentes menos eficientes.
5. Pode-se ver, portanto, que há diversos fatores responsáveis pela variação do VA total, entre os quais alguns dos mais importantes foram apontados: a população e o número de trabalhadores, a produtividade física do trabalho, o volume físico da produção, os preços dos produtos e os preços dos insumos, os mercados. Outros fatores poderiam - e deveriam - ser considerados, dependendo das características específicas da região analisada. Isto ilustra o fato de que o VA total depende de um conjunto relativamente grande e complexo de fatores, cada um dos quais contribui com uma parcela da variação do VA total. Esta circunstância não foi levada em conta pelo estudo, que supôs que toda a variação do VA total, após 1986, foi causada pelo fechamento da Estrada do Colono. Isto significa que o estudo pressupôs que todos os demais fatores permaneceram constantes: a população, o número de trabalhadores, a produtividade do trabalho, os preços de insumos e produtos, os mercados dos bens e serviços municipais, as demais vias de comunicação intra e intermunicipais etc. O próprio relatório, porém, apresenta dados demográficos que demonstram a continuidade do processo de redução da população. Dados sobre produção agrícola e preços de insumos e produtos também estão disponíveis e poderiam ter sido utilizados. Deste ponto de vista, as conclusões do estudo devem ser consideradas pelo menos extremamente precárias, e talvez totalmente inválidas, devido a uma metodologia insuficiente.
Assim, a utilização do VA total para medir o impacto econômico de um fator isolado, só poderia ser aceitável no sentido de apontar a proporção da variação do VA total atribuível ao fator isolado considerado.
Para ilustrar um procedimento técnico mais rigoroso, que poderia Ter sido aplicado, pode-se apontar alguns elementos gerais, que seriam necessários para uma análise do impacto de uma rodovia sobre a economia de um município.
Em primeiro lugar, seria necessário elaborar estimativas, mesmo que aproximadas, da importância relativa da rodovia na economia do município. O autor do relatório demonstra ter consciência disto, mas procede unilateralmente, pois menciona o fato de que "Medianeira se localiza no Eixo Cascavel-Foz e, por isso, não estaria tão sujeito aos efeitos da interrupção do tráfego" da Estrada do Colono. Isto significa que o autor reconhece que uma via de transporte é somente um dos fatores a afetar o VA de um município, e que o efeito de cada via deve ser comparado com o de outras existentes. Mas só aplica este critério aos municípios da extremidade da Estrada do Colono no Oeste, omitindo a importância desta circunstância nos municípios do Sudoeste. Capanema também possui ligações rodoviárias com outros municípios (8), entre eles Francisco Beltrão e outros, e até mesmo com a Argentina, via Santo Antônio do Sudoeste. Portanto, a variação do VA de Capanema, e dos demais municípios, também sofre outras influências, além do funcionamento da Estrada do Colono.
É lícito afirmar que o estudo é tendencioso neste aspecto metodológico central, pois procura outras razões, além da Estrada do Colono, para justificar os casos em que o VA total aumenta após 1986, mas exime-se de considerar outras causas quando se trata dos municípios cujo VA diminui.
Em segundo lugar, o estudo deveria fornecer uma caracterização, mesmo genérica, da utilização econômica da Estrada do Colono antes do seu fechamento, como por exemplo:
- Quais eram as condições técnicas de tráfego da Estrada do Colono - era pavimentada ou não, havia acidentes geográficos de difícil transposição etc?
- Qual era a intensidade do tráfego de veículos?
- Que tipos de veículos trafegavam pela Estrada do Colono?
 - Quais eram os setores econômicos, de quais municípios, que dependiam do transporte pela Estrada do Colono?
- Qual era a proporção da produção destes setores que era transportada pela Estrada do Colono?
- Qual era a importância do transporte de passageiros?
A falta de qualquer indicação sobre estes e outros aspectos eventualmente importantes constitui também uma omissão grave, pois deixa sem fundamento comprovado a importância única que o estudo atribui ao fechamento da Estrada na redução do VA dos municípios da região Sudoeste 9 após 1986.
Tomando como exemplo a tabela 3 (9), referente a Capanema, pode-se ilustrar a alteração que as conclusões do estudo sofreriam, caso um enfoque mais realista tivesse sido aplicado. O estudo estima as "perdas" de VA total deste município, supostamente decorrentes do fechamento da Estrada do Colono, em R$ 327 milhões. Portanto, atribui toda a diminuição do VA, após 1986, ao fechamento da Estrada do Colono. Entretanto, se o cálculo da parte dessa diminuição realmente atribuível ao fechamento da Estrada do Colono fosse criterioso (ou, pelo menos, estimado aproximadamente), é óbvio que apenas parte das "perdas" poderia ser atribuída a esta causa. Suponhamos, exagerando, que a contribuição da Estrada do Colono ao VA fosse de 50%. Neste caso, o impacto do seu fechamento seria de apenas R$ 164 milhões. Na realidade, dada a insignificância reconhecida do tráfego econômico permitido pela Estrada do Colono, o mais provável é que este impacto fosse muito diminuto. Caso fosse de 5%, por exemplo, as "perdas" reais seriam de R$ 16,4 milhões, ao invés dos R$ 327 milhões apresentados pelo estudo. Pode-se verificar que qualquer número, sem fundamentação rigorosa, reduz-se apenas a um palpite.
C. Técnicas de cálculo
Uma vez examinado criticamente o método de análise do relatório, passa-se às técnicas de cálculo. Aqui se considera o conjunto de procedimentos de cálculo utilizados para chegar a resultados quantitativos que sustentem as conclusões. O relatório deveria esclarecer a qualidade dos dados em que se baseia e as técnicas estatísticas e econométricas utilizadas. O estudo não dá o menor esclarecimento sobre a qualidade e o grau de confiabilidade dos dados de VA, nem indica a fonte precisa de onde os dados foram retirados. As projeções numéricas e gráficas também não são esclarecidas. Estes elementos são indispensáveis para uma correta avaliação das conclusões do relatório, de modo que a sua omissão torna impossível uma avaliação segura da qualidade dos resultados. Alguns comentários limitados sobre procedimentos visíveis podem ser feitos:
1. A escolha do ano de 86 como divisor temporal justifica-se, obviamente, por ter sido a data do fechamento da Estrada do Colono, assim como o ano de 94, por ser, aparentemente, o último disponível à época da elaboração do estudo.
A extensão dos dados de 94 para 95 não se justifica inteiramente, mas é aceitável - pois as maiores distorções das conclusões decorrem da falta de um método adequado de análise -, embora o relatório devesse conter um esclarecimento justificando esta extensão. De qualquer modo, ela é tendenciosa porque inflaciona ainda mais as supostas "perdas" apontadas pelo relatório. Isto conduz a outra falha decisiva do relatório, que se refere à extensão de tempo durante o qual se pode, justificadamente, atribuir efeitos significativos a um evento. O procedimento do estudo indica que, caso o autor repetisse os cálculos dentro de 20 anos, e caso o VA dos municípios analisados continuasse a cair, ele continuaria atribuindo toda a queda ao fechamento da Estrada do Colono em 1986.
Seria necessário justificar o modo de analisar os efeitos do evento considerado ao longo do tempo, incluindo os fatores compensatórios que podem, eventualmente, surgir após o evento e que podem gerar efeitos positivos que compensem, em parte ou totalmente, os negativos. Os revezes e acidentes de percurso fazem parte da economia de mercado, exigindo das empresas, constantemente, a exploração de novas alternativas. Se uma barreira qualquer impede o acesso a um mercado, as empresas procuram redirecionar suas ofertas e/ou demandas.
Assim sendo, não parece realista supor que as empresas e/ou produtores autônomos dos municípios do Sudoeste 9 tenham passivamente aceito o fechamento da Estrada do Colono como fatalidade definitiva, sem procurarem outras alternativas de mercado. Isto implicaria que os fatores de produção eventualmente comprometidos, antes de 1986, com atividades dependentes do funcionamento da Estrada do Colono, teriam depois disto permanecido ociosos.
2. A escolha do ano de 1974 como ano inicial do período anterior a 1986 parece arbitrária, pois não vem acompanhada de explicação. A relevância da escolha está ligada à importância do valor inicial e da extensão do período em um estimativa da evolução temporal de uma variável. Na falta de esclarecimentos técnicos adequados, é impossível avaliar corretamente os dados das tabelas e dos gráficos apresentados no relatório.
3. A chamada "taxa social de desconto de 10% ao ano" não está explicada nem justificada. É evidente, porém, que o autor aplicou uma taxa de correção anual cumulativa de 10% às diferenças entre os valores projetados e observados do VA total. Embora seja um procedimento habitual em projetos de investimento, não parece justificado no presente caso, em que se analisa a variação do VA de economias municipais. O estudo, ao estimar as equações que lhe permitiram calcular os valores projetados do VA entre 87 e 94, já possui um parâmetro que determina a variação anual. Assim sendo, caso o método do relatório fosse adequado ao seu objetivo - e já foi demonstrado que não é - só se poderia considerar como "perdas" as diferenças entre os valores projetados e os observados. Para ilustrar a consequência do procedimento do relatório, o dado da tabela 8 (10), em que o valor das "perdas", que está inflacionado a uma taxa cumulativa de 10% a.a., é apresentado como sendo de R$ 435 milhões de reais, deveria ser, na realidade, a soma da coluna 4, das "perdas anuais", que resulta em aproximadamente R$ 287, isto se fosse legítimo atribuir toda a variação negativa do VA ao fechamento da Estrada, o que já se demonstrou não ser o caso.
Mesmo que admitida uma correção anual, sob o argumento de que a perda de cada ano, caso tivesse sido recebida pelos produtores do VA e aplicada, forneceria um rendimento, a taxa de correção de 10% não parece adequada. Poder-se-ia sugerir, por exemplo, a utilização da correção anual da caderneta de poupança, que dificilmente alcançaria 5% no período considerado, tendo mais provavelmente sido negativa em alguns anos, dada a alta taxa de inflação do período. Ocorre, porém, que o problema analisado não é de resultados de aplicações alternativas, mas de trajetória do VA municipal. O argumento admissível é considerar que a parte deste valor não realizada, caso tivesse sido realizada, poderia ter sido reaplicada na economia e, tudo o mais permanecendo constante, teria podido produzir um novo aumento no VA, no ano seguinte, segundo a taxa indicada pelo parâmetro estimado da função.

III. CONCLUSÕES

Considerando-se as características da economia regional e as questões relacionadas com a metodologia utilizada pelo estudo "Prejuízos Decorrentes do Fechamento da Estrada do Colono (PR-495)", pode-se apontar algumas conclusões relevantes para comprovar a tendenciosidade do estudo e a leviandade das conclusões apresentadas e, ao mesmo tempo, refutar a argumentação utilizada pelos defensores da estrada, de que seu fechamento acarretou prejuízos de grande monta para uma população de aproximadamente um milhão de pessoas.
A. Quanto à metodologia utilizada, pode-se concluir que:
1. A utilização de valores monetários para apresentar prejuízos globais não é aceitável porque os dados usados são fisco-contábeis. Tais dados, com ressalvas, poderiam ser usados em termos relativos, como manifestação de uma tendência de desempenho econômico, desde que complementados com elementos da dinâmica real (variáveis qualitativas) que corroborem as informações;
2. Os dados fisco-contábeis, como os do Valor Adicionado, não podem ser desagregados ou reagrupados sem deformações. Mesmo o valor adicionado do Estado, a exemplo do PIB estadual que utiliza essas informações, está sempre referenciado pelas estimativas de outros estados e do Brasil. Não é analisado isoladamente, além de vir acompanhado de considerações, hipóteses e outras variáveis qualitativas que auxiliam a formulação dos
cálculos;
3. O VA total depende de um conjunto relativamente grande e complexo de fatores, cada um dos quais contribui com uma parcela da variação do VA total: a população e o número de trabalhadores; a produtividade física do trabalho; o volume físico da produção; os preços dos produtos e os preços dos insumos; e os mercados. Outros fatores poderiam - e deveriam - ser considerados, dependendo das características específicas da região analisada. O estudo não levou em conta essas circunstâncias e supôs que toda a variação do VA total, após 1986, foi causada pelo fechamento da Estrada do Colono, pressupondo que todos os demais fatores permaneceram constantes, o que não é verdade.
B. Quanto à forma de apresentação:
1. Levando em conta a inflação das últimas décadas, nos casos em que é indispensável calcular perdas e ganhos e valores absolutos, torna-se necessário construir um deflator específico que considere, inclusive, a variação dos preços relativos dos produtos que, no caso dos agrícolas, são marcantes. Portanto, valores monetários absolutos, como os R$ 5,6 bilhões de prejuízo aos municípios no período de fechamento da Estrada do Colono, apontado pelo estudo em questão, devem ser interpretados como instrumentos de pressão política e não podem ser tomadas como verdadeiros;
2. Para construir esta fantástica cifra, o estudo considerou que o fechamento da estrada afetava de modo generalizado as regiões Oeste e Sudoeste, mas desagregou os municípios, agrupando-os em 10 diferentes categorias. Com isso, afastou os municípios que tiveram resultados positivos ao longo do período e isolou apenas aqueles que apresentavam maiores resultados negativos ao longo dos anos em que a Estrada do Colono esteve fechada. Para calcular os prejuízos, porém, reagrupou-os novamente e utilizou uma taxa social de desconto de 10% ao ano. Isto significa que aos hipotéticos prejuízos anuais, estabelecidos com base na diferença entre valor projetado e realizado, foram acrescentados 10% ao ano, ao longo de 10 anos, chegando, assim, a R$ 5,6 bilhões;
3. Usando o mesmo artifício falacioso, o estudo generaliza os prejuízos para a população de todos os municípios das regiões Oeste e Sudoeste, embora a maioria absoluta dessa população em nada dependa desse trecho da estrada. Mais uma vez, trata-se de argumento tendencioso e, desta vez, com caráter visivelmente eleitoreiro, pois, só assim pôde transformar possíveis prejuízos para aproximadamente 90 mil pessoas (população dos municípios de Sudoeste 100) em prejuízos para "quase um milhão de pessoas".
C. Quanto à realidade regional:
1. A queda da importância da agricultura na formação do Valor Adicionado verifica-se em todos os municípios e no total do Paraná porque os outros setores da economia (comércio, indústria e serviços) vêm ganhando peso relativo na estrutura econômica do estado, ou seja, crescem mais que a agricultura, que passa a ter menos peso relativo. Essa situação não foi considerada pelo estudo;
2. Os efeitos das oscilações da agricultura nas demais atividades da região Sudoeste não foram levados em conta. Como a agricultura está sujeita a oscilações freqüentes, em virtude de variações climáticas, alterações na demanda, preços etc.- esses municípios costumam apresentar grandes diferenças anuais de valor adicionado;
3. Por suas características econômicas, a região Sudoeste é, atualmente, uma região em processo de esvaziamento e isso também não foi levado em conta para nenhum dos cálculos realizados.
D. Quanto à Estrada do Colono:
1. Para avaliar os reais prejuízos causados pelo fechamento da Estrada do Colono seria necessários responder, primeiramente, algumas questões básicas, definindo a parte da variação do Valor Adicionado dos municípios em questão que poderia ser atribuída ao fato. Tais questões podem ser assim resumidas:
- Quais eram as condições técnicas de tráfego da Estrada do Colono - era pavimentada ou não, havia acidentes geográficos de difícil transposição etc?
- Qual era a intensidade do tráfego de veículos?
- Que tipos de veículos trafegavam pela Estrada do Colono?
- Quais eram os setores econômicos, de quais municípios, que dependiam do transporte pela Estrada do Colono?
- Qual era a proporção da produção destes setores que era transportada pela Estrada do Colono?
- Qual era a importância do transporte de passageiros?
A falta de qualquer indicação sobre estes e outros aspectos eventualmente importantes constitui também uma omissão grave, pois deixa sem fundamento comprovado a importância única que o estudo atribui ao fechamento da Estrada na redução do VA para alguns municípios da região, após 1986.
2. Segundo dados da Polícia Florestal do Paraná, o trânsito de veículos na Estrada do Colono, no período de 8 a 18 de julho de 1986 foi de 767 veículos (média diária de 76,7), com as seguintes características: 190 ônibus, 80 caminhões, 437 automóveis, 50 caminhonetes e 10 veículos de outros tipos. Considerando-se as características da economia regional, o transporte da produção agrícola em caminhões teria o maior peso e o número, ainda assim é insignificante: 8 caminhões por dia.
3. O estudo não poderia deixar de avaliar a importância relativa da rodovia na economia do município. Capanema possui ligações rodoviárias com outros municípios, entre eles Francisco Beltrão e outros, e até mesmo com a Argentina, via Santo Antônio do Sudoeste. Portanto, a variação do VA de Capanema, e dos demais municípios, também sofre outras influências, além do funcionamento da Estrada do Colono.
NOTAS
(1) Segundo o estudo, a PR-495 teria início em Marechal Cândido Rondon (MRH Extremo Oeste Paranaense) e terminaria em Barracão (MRH Sudoeste paranaense). Segundo o Mapa Rodoviário e Político de 1998, publicado pela Secretaria de Transportes do Estado do Paraná, trata-se de uma rodovia estadual que faz a ligação entre alguns municípios e
localidades da MRH Extremo Oeste Paranaense, entremeadas por outras rodovias estaduais, terminando no município de Capanema, depois de atravessar o Parque Nacional do Iguaçu.
(2) O agrupamento dos municípios utilizou quatro critérios: municípios localizados ao longo da Rodovia PR-495 na MRH Sudoeste (Capanema, Planalto, Pérola do Oeste, Pranchita, Santo Antônio do Sudoeste e Barracão); municípios localizados ao longo da Rodovia PR-495 na MRH Oeste (Medianeira, São Miguel do Iguaçu, Matelândia, Itaipulândia, Missal, Santa Helena, Entre Rios do Oeste e Pato Bragado); municípios localizados ao longo do Eixo Rodoviário Cascavel-Foz do Iguaçu (Cascavel, Céu Azul, Foz do Iguaçu, Matelândia, Medianeira, Santa Tereza do Oeste, Santa Terezinha do Itaipu e São Miguel do Iguaçu); Municípios Lindeiros, limítrofes ao Lago de Itaipu (Foz do Iguaçu, Santa Terezinha do Itaipu, São Miguel do Iguaçu, Itaipulândia, Missal, Santa Helena, Entre Rios do Oeste, Pato Bragado, Marechal Cândido Rondon, Mercedes e Guaíra).
Para fins de análise, o autor dividiu os municípios das duas MRHs em 10 classes, cruzando três variáveis locacionais: lindeiros a Itaipu, eixo Cascavel-Foz do Iguaçu e PR-495. O resultado é o agrupamento em: MRH OESTE
Classe 1 - Municípios lindeiros, no eixo e ao longo da PR-495 - nenhum
Classe 2 - Municípios lindeiros e no eixo - Foz do Iguaçu e São Miguel do Iguaçu
Classe 3 - Municípios lindeiros e ao longo da PR-495 - Santa Helena
Classe 4 - Municípios lindeiros - Guaíra, Marechal Cândido Rondon
Classe 5 - Municípios no eixo e ao longo da PR-495 - Medianeira
Classe 6 - Municípios no eixo - Cascavel, Céu Azul e Medianeira
Classe 7 - Municípios ao longo da PR-495 - nenhum
Classe 8 - Municípios que não são lindeiros, não estão no eixo e não estão ao longo da PR-495 - Assis Chateaubriand, Capitão Leonidas Marques, Catanduvas, Corbélia, Formosa do Oeste, Guaraniaçu, Nova Aurora, Palotina, Terra Rocha e Toledo.
MRH SUDOESTE
Classe 9 - Municípios ao longo da PR-495 - Barracão, Capanema, Pérola do Oeste, Planalto
Classe 10 - Municípios que não são lindeiros, não estão no eixo e não estão ao longo da PR-495 - Ampere, Chopinzinho, Coronel Vivida, Dois Vizinhos, Enéas Marques, Francisco Beltrão, Itapejara do Oeste, Mariópolis, Marmeleiro, Pato Branco, Realeza, Renascença, Salgado Filho, Salto do Lontra, Santa Izabel do Oeste, Santo Antônio do Sudoeste, São João, São Jorge do Oeste, Verê e Vitorino.
(3) Barracão, Capanema, Pérola do Oeste, Planalto
(4) A Polícia Florestal do Paraná apresentou um relatório demonstrando o trânsito de veículos na rodovia, no período de 8 a 18 de julho de 1986. Passaram pela Estrada do Colono 767 veículos (média diária de 76,7), sendo 190 ônibus, 80 caminhões, 437 automóveis, 50 caminhonetes e 10 veículos de outros tipos. No mesmo período foram atropelados e mortos seis animais no leito da estrada, embora a Polícia Florestal não identifique as espécies.
Considerando-se uma circulação de veículos durante 10 horas por dia, o resultado seria:
- 7,6 veículos por hora, menos de 4 por hora em cada sentido da estrada
- 8 caminhões por dia - 0,5 por hora em cada sentido
- 1,9 ônibus por hora - menos de um por hora em cada sentido (5) Do ponto de vista da dinâmica populacional, a região apresentou um dos menores crescimentos do estado. Mais de 75% de seus municípios vêm registrando perdas populacionais nos últimos anos, num quadro de evasão que tende a se intensificar. A taxa de crescimento da população rural é de - 2.94% para a região e todos os municípios da região apresentam crescimento da população rural a taxas menores que zero. Alguns municípios já começam a apresentar leve decréscimo de crescimento da população urbana entre 1991 e 1996. Os centros Pato Branco e Francisco Beltrão, com crescimento urbano de 2,86%a/a e 2,64% a/a, respectivamente, são os únicos da região com crescimento da população total superior ao da média paranaense, desde 1970.
(6) A região tem sua dinâmica econômica fortemente influenciada pelas atividades agrícolas, de tal forma que as oscilações da agricultura provocam efeitos diretos nas demais atividades, industriais e comerciais.
Como a agricultura está sujeita a oscilações freqüentes, em virtude de variações climáticas, alterações na demanda, preços, etc - esses municípios costumam apresentar grandes diferenças anuais de valor adicionado.
(7) Ver nota 2
(8) Ver nota 2

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