Parques nacionais são uma atração turística
no mundo todo, menos no Brasil.
Por Eduardo Araia
Nos Estados Unidos, parques nacionais
são um megaempreendimento. De acordo com Jonathan Jarvis, diretor do National
Park Service, em 2012 mais de 282 milhões de pessoas visitaram os 401 sítios
que o órgão federal administra (entre eles, 59 parques como os nossos) – isso
em ano de furacão Sandy, que levou vários parques a fechar.
Com as visitas foram gerados US$ 30
bilhões em atividade econômica e garantiu-se emprego a 252 mil pessoas. Ainda
em 2012, quase 9,7 milhões de turistas foram ao Great Smoky Mountains, na
Carolina do Norte, o recordista de visitação entre os parques nacionais
americanos, e 4,4 milhões passaram pelo vice-líder Grand Canyon. Jarvis comanda
22 mil funcionários e um orçamento que, no ano passado, atingiu US$ 2,9 bilhões
(R$ 6,2 bilhões).
Já os 68 parques brasileiros – dos quais
26 estão abertos à visitação – vivem situação bem diversa. Em 2012, eles
receberam 5,6 milhões de pessoas, quase 58% do total do Great Smoky Mountains.
O mais concorrido, o Parque Nacional da Tijuca, recebeu 2,5 milhões de pessoas
no ano passado, porque está entranhado na cidade do Rio de Janeiro. Qualquer um
que visite, de automóvel, a Vista Chinesa, o Corcovado ou a Estrada das Canoas
já está dentro do parque.
É natural que o Brasil fique atrás dos
EUA no setor. Afinal, é um país emergente sendo comparado com a maior economia
do planeta. Mas a diferença é gritante, sobretudo porque, como em outros
setores, continuamos deitados em berço esplêndido, com muitas riquezas a
mostrar e pouco traquejo e vontade política para fazê-lo.
De acordo com um relatório produzido
pelo Fórum Econômico Mundial sobre competitividade turística, o Brasil é o 51º
entre 140 países e está nas piores posições quanto a transportes, preços,
burocracia, taxas e impostos. Entretanto, ocupa o 1º lugar como destino
interessante quanto aos recursos naturais, o 6º quanto a locais reconhecidos
como patrimônio natural da humanidade e o 16º quanto ao patrimônio cultural.
Matéria-prima ecológica não falta,
portanto. Falta é desenvolvê-la, como outros países já fizeram. “Os cinco
principais parques da África do Sul recebem mais de 4,3 milhões de visitantes
por ano”, lembra Santilli.
É preciso reconhecer que, mesmo quando fechados à visitação, os parques são
importantes prestadores de serviços à sociedade. Por meio deles, é possível
preservar nascentes e mananciais de água, solos, ecossistemas, a
biodiversidade, a produção de chuva e o equilíbrio do clima, como nos parques
remotos da Amazônia.
Mas manter o status quo atual – com 62% dos parques fechados – é, em
princípio, estranho. Na prática, avalia o empresário Roberto Klabin,
ex-presidente da Fundação SOS Mata Atlântica, a proibição deixa os parques
fechados reclusos ao imaginário, excluídos da vivência dos brasileiros. “Os
parques não são da população. São dos técnicos, das pessoas que cuidam do meio
ambiente”, afirma o empresário.
Negócio promissor
“O governo precisa perceber que o Brasil
é uma potência ambiental. Ele só lembra que somos uma potência agrícola”, diz
Klabin. A ficha tem demorado a cair. No Brasil, os parques nacionais e as
outras 244 unidades de conservação federais estão subordinados ao Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao Ministério
do Meio Ambiente (MMA). O orçamento do ministério nunca foi grande coisa
e é um alvo prioritário do governo federal quando quer economizar. O site
Contas Abertas revelou que no ano passado, por exemplo, dos R$ 4,1 bilhões
previstos, R$ 1,1 bilhão (27%) foi bloqueado (“contingenciado”) para compor o
superávit fiscal.
O MMA fica com apenas 0,15% do Orçamento
Geral da União e 0,07% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Tem sido
assim quase sempre, subfinanciado, o que comprova que o meio ambiente não é
prioritário diante das muitas carências do país.
Para sustentar os 5.600 funcionários do
ICMBio (dos quais 1.900 efetivos) e cumprir suas atribuições nas unidades de
conservação, o instituto dispõe de um orçamento de cerca de R$ 503 milhões por
ano, somado a valores variáveis de compensações ambientais, fundos
governamentais, acordos de cooperação internacional, doações de empresas
privadas e multas ambientais que raramente são pagas, devido aos constantes
recursos dos infratores e à lerdeza da Justiça.
É, previsivelmente, pouco. Muito pouco.
O órgão tenta, segundo seus gestores, “seguir a diretriz da área econômica, de
fazer mais com menos”. Mas, nesse contexto, nem se estranha quando os técnicos
do ICMBio dizem que é impossível estimar qual seria o valor ideal de recursos a
serem aplicados nos parques. Ninguém pensou nisso até agora.
O caso eventual de um parque
superavitário também cai no mesmo impasse. Segundo o gestor do Parque Nacional
do Iguaçu, Jorge Luiz Pegoraro, apenas R$ 3 milhões dos R$ 17 milhões
arrecadados em 2012 ficaram para as despesas de custeio da unidade federal
paranaense (itens como pessoal, vigilância e serviços). O restante seguiu para
Brasília, como orienta o sistema orçamentário federal. A rotina geral é
depender de Brasília para praticamente tudo.
Outro problema que aflige os parques
brasileiros é a tremenda confusão fundiária. Dos mais de 26 milhões de hectares
das áreas somadas, 17% coincidem com terras indígenas ou quilombolas e parques
estaduais, afora propriedades privadas.
Como os parques, em princípio, são da
União, alguma ordenação jurídica diferenciada seria necessária para lidar com
essa bagunça. O belo Parque Nacional do Itatiaia, por exemplo,
privilegiadamente situado entre São Paulo e Rio de Janeiro, vive um arrastado
litígio com proprietários de imóveis em terras incorporadas em 1982.
Na Bahia, o Parque Nacional de Boa Nova,
criado em 2010, está todo assentado em terras particulares. “Não temos noção de
quando vamos iniciar as desapropriações, pois não há orçamento previsto para
isso”, diz o gestor da unidade, Osmar Borges – seu único funcionário.
Precariedade
O resultado das verbas minguadas e do
emperramento burocrático são parques com poucos funcionários, estado lamentável
e escassas melhorias. Certamente o solitário funcionário do Boa Nova e os
quatro isoladíssimos funcionários do Parque Nacional das Montanhas do
Tumucumaque (o maior parque do país em área), no Pará e no Amapá, não bastam,
por mais comprometidos que sejam, para dar conta do trabalho que um parque
demanda.
Mesmo coordenando cerca de 800 pessoas
no Parque do Iguaçu – uma enormidade em relação aos demais –, Pegoraro
reconhece que a sua equipe é pequena para cumprir todas as ações listadas no
Plano de Manejo da reserva (as ações necessárias para a gestão sustentável dos
recursos naturais no interior e no entorno do parque).
Pegoraro tem de lidar, por exemplo, com
frequentes caçadores clandestinos e colhedores de palmito, atender aos pleitos
dos 14 municípios com terras no parque e avaliar os pedidos de parcerias – sem
contar a constante pressão local pela reabertura da antiga Estrada do Colono,
que atravessa o parque de lado a lado. Borges se multiplica para tocar um
parque “ainda na fase embrionária de implantação”. Christoph Jaster, gestor do
Montanhas do Tumucumaque, não reclama de verbas, mas tem problemas sobretudo
com “a aceitação, por parte do público, de uma unidade de conservação que ocupa
27% da área do Amapá, e com grupos que têm interesses na exploração mineral da
área”. É muita terra, realmente.
A ideia de abrir as unidades à visitação
pode trazer vários benefícios, desde aproximar os brasileiros de seu patrimônio
natural até obter os tão necessários recursos financeiros para geri-los melhor.
Para a direção do ICMBio, apenas dois parques (Pico da Neblina e Araguaia)
estão oficialmente fechados, por conta de aspectos jurídicos ligados à
sobreposição com reservas indígenas.
“O que estamos fazendo”, informa o
órgão, “é, em primeiro lugar, atender os parques que apresentam maior pressão
de visitação, dando-lhes os instrumentos de ordenamento que garantem a
integridade dos recursos da unidade e a qualidade da experiência do visitante.
A meta do ICMBio é facilitar o processo ou atender a todas as unidades nos seus
processos de ordenamento da visitação num médio prazo”.
Mas é preciso cautela para não criar
novos problemas com uma abertura apressada, alerta Mariana Napolitano e
Ferreira, analista de Conservação do Programa Amazônia do WWF-Brasil. “Os
parques devem estar preparados para receber os visitantes. Eles precisam de
cuidados fundamentais, como plano de manejo atualizado e recursos como pessoal
e infraestrutura (estradas, sinalização, banheiros, segurança, etc.) para oferecer
uma boa visitação e minimizar impactos. Isso envolve também uma visão regional,
dos Estados e dos municípios, que facilite a visitação quanto ao acesso ao
local, por exemplo.”
Para estudiosos da questão, porém, as
razões para a demora da abertura dos parques não são mais aceitáveis. “Nenhuma
inconsistência do poder público pode evitar o acesso das pessoas”, diz Márcio
Santilli. “Se ele coloca certos critérios e não tem estrutura para isso,
deveria buscar recursos para atendê-los.”
Publicado originariamente no site da Revista Planeta: http://revistaplaneta.terra.com.br/secao/meio-ambiente/abram-os-parques
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